• Achamos natural a presidente se eleger pela esquerda e governar pela direita, o partido da ética dizer que todos roubam
- O Globo
A gente que nasceu e vive aqui no Brasil vai se acostumando e achando muito natural as coisas que acontecem na política. Por exemplo: a presidente se eleger pela esquerda e governar pela direita. O PMDB estar montado no Executivo e no Legislativo e achar que não manda o suficiente. Um gerente da Petrobras confessa ter acumulado propinas — em caráter pessoal e coletivo! — no valor equivalente a R$ 300 milhões. O partido da ética dizendo que todo mundo rouba.
E isso era piada. Lembram-se do personagem de Jô Soares, o sonegador apanhado pela Receita, que dizia: “Só eu? E os outros?”
Ou da muita antiga frase de Chico Anysio: “No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do futuro. Os políticos têm medo do passado”.
Mas me lembrei mesmo de Tom Jobim — “O Brasil não é para principiantes” — ao imaginar a sua situação, caro leitor, tendo de explicar a conjuntura nacional a um amigo de fora.
Mais ou menos assim: o estrangeiro desembarca no Brasil na sexta-feira, 13 de março, e topa com uma manifestação com muitas bandeiras vermelhas.
— Isso é contra o governo? — pergunta ele, já que esse tipo de manifestação em geral é prerrogativa das oposições.
Você tem que explicar, pelo menos em linhas gerais. Melhor simplificar:
— Na verdade, é a favor da presidente Dilma. É o pessoal dos sindicatos de trabalhadores.
O estrangeiro estranha, ainda mais que, arranhando o português, identifica alguns cartazes que parecem ser contra alguma coisa.
Melhor simplificar de novo:
— Eles estão a favor da presidente, mas contra a política econômica conservadora.
— Então a presidente é de direita?
— Não, é de esquerda, do Partido dos Trabalhadores, que se considera a maior esquerda do mundo.
— Esquerda tipo Cuba, Venezuela ou como a social-democracia e o trabalhismo europeu?
— Meio que uma mistura.
— E por que faz uma política econômica de direita?
Aqui dá para explicar:
— Porque a presidente precisou fazer alianças com partidos de centro e de direita para compor a maioria no Congresso. E porque a economia desenvolvimentista deixou uma baita crise.
Você chega a pensar que está resolvido, mas volta a pergunta do gringo:
— E quem aplicou esse desenvolvimentismo está na oposição?
— Não, porque foi a mesma presidente que fez aquela política no primeiro mandato. E se reelegeu prometendo continuar. Mas aí, sabe como é, inflação, déficit, juros, teve que chamar os ortodoxos para a economia.
Agora parece bem claro. O pessoal mais à esquerda e os sindicatos não gostam da política econômica, estão manifestando isso, mas também querem defender a presidente Dilma do pessoal que está contra ela por outros motivos.
Lógico, o estrangeiro vai querer saber quais outros motivos.
Não faltam: preços em alta, juros em alta, crédito apertado, estagnação, impostos subindo, medo do desemprego e uma baita corrupção. Tem também os que estão contra porque a presidente prometeu uma coisa na campanha e está governando com outra.
Volta o estrangeiro:
— Mas os partidos de direita e centro que fazem parte da coligação dela certamente estão ajudando.
— Pois é, o problema é esse. Tem um partido, o maior deles, PMDB, que tem o vice-presidente da República, seis ministros e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. E está de briga com a presidente Dilma porque acha que não manda e porque diversos membros do partido estão sendo acusados de corrupção.
— Caramba! É uma campanha da esquerda contra a direita corrupta?
— Não, porque muitos membros do partido da presidente Dilma também estão sendo apanhados na corrupção.
— Então, admira-se o estrangeiro, a presidente de vocês está promovendo uma faxina geral.
— Mais ou menos, não é ela, mas os promotores e os juízes. Para falar a verdade, a presidente está tão nervosa com isso quanto os aliados de direita.
— Então esses manifestantes (o estrangeiro aponta para os sindicalistas) estão contra a política econômica do governo, a corrupção no governo e nos partidos do governo, mas estão a favor do governo e da presidente?
— É mais ou menos por aí, e também a favor da Petrobras, a estatal foco da corrupção.
— Contra a corrupção, mas a favor da empresa onde tudo aconteceu?
— Isso aí.
— E ninguém protesta direto contra a corrupção? — inquieta-se o gringo.
— Essa manifestação será no domingo.
— E será a favor da política econômica ortodoxa?
— Tem gente que até era, mas agora é contra tudo.
Sabe como é... Aceita uma caipirinha?
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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
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