domingo, 17 de julho de 2016

Crise nacional não pode desviar foco da agenda municipal – Editorial / O Globo

As eleições em cada um dos 5.700 municípios do país em outubro não acontecerão em contexto isolado da grave crise política nacional. Será natural que, a exemplo de pleitos anteriores, questões como o ajuste fiscal, a corrupção e a necessidade de reformas a serem votadas pelo Congresso em Brasília virem pano de fundo ou mesmo apareçam claramente nos discursos de candidatos, sobretudo nas grandes capitais. Da mesma forma, o resultado das urnas poderá ser visto como tendência na corrida para governadores e presidente em 2018, mas — ressalve-se — com grande risco de a análise ser confundida com mera especulação, já que as disputas locais têm dinâmica própria, que frequentemente ignora grandes questões nacionais.

Por isso, a discussão da pior crise econômica brasileira não pode extrapolar ao ponto de desviar o foco das agendas municipais. Cada cidade tem suas demandas. No Rio, o vencedor terá que administrar uma rede escolar com mais de 660 mil alunos do ensino fundamental e um sistema de saúde de mais de quatro mil leitos, sendo 688 de UTI. É uma responsabilidade grande demais para perder relevo diante do debate nacional.


Além disso, a discussão sobre planejamento urbano nunca foi tão oportuna. A Olimpíada serve de incentivo a intervenções capazes de mudar a cara do Rio ao buscar a revitalização do Centro.

É uma mudança importante, porque vai contra a tendência de expansão em direção à Zona Oeste, sob a justificativa de que há mais espaço disponível. Trata-se de argumento falacioso. Há terrenos e prédios vazios no Centro e em áreas ao longo da Avenida Brasil e das linhas férreas que podem servir de moradia. Estudo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ concluiu que o Centro, excluindo o Porto Maravilha, tem capacidade de receber 150 mil novos domicílios em glebas vazias e galpões ociosos ou abandonados. Estimular a moradia na região — e em bairros próximos e conectados por sistema de transporte sobre trilhos ou ligação rodoviária expressa — evita o ônus de se arcar com a implantação de infraestrutura em lugares afastados, gasto proibitivo para um poder público estrangulado pela crise fiscal. E contribui para a conservação de obras de grande porte como a Orla Conde, o VLT e os museus do Amanhã e de Arte do Rio. Áreas habitadas resistem mais à degradação, até porque nelas há moradores para cobrar da administração pública iluminação, coleta de lixo, conservação do asfalto e outros serviços que mantêm uma cidade viva.

Portanto, do incentivo à moradia no Centro, entre outros fatores, depende a manutenção do legado da Olimpíada. Grandes obras são cenário perfeito para filmes de propaganda eleitoral. Mas, se não forem mantidas em condições de servir à cidade e a seus moradores, a longo prazo poderão ter efeito contrário ao desejado por políticos: tirar votos dos responsáveis pela decadência e o desperdício do dinheiro público. E este é um mal que o eleitor —e a sociedade — já deu sinais claros de que não suporta mais.

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