- Valor Econômico
Temer administra ritmos desconexos para ganhar tempo
Os conflitos em Brasília deram ao comandante-em-chefe das Forças Armadas a última oportunidade de mostrar autoridade num governo que já acabou. A velocidade com a qual os protestos de ontem descambaram para o conflito contrasta com o ramerrão dos impasses que presidem as negociações para a substituição do presidente. É na administração de ritmos desconexos entre as expectativas da sociedade, os ritos judiciais e os consensos da política que Michel Temer valida a prorrogação de sua permanência.
O prazo de 30 dias para um laudo conclusivo do áudio do grampo das conversas entre o presidente e o empresário Joesley Batista deu tempo ao governo para tentar reagrupar forças no Supremo Tribunal Federal. A retaguarda presidencial investiu em dois alvos. O primeiro é a retirada da delação da JBS das mãos do ministro Edson Fachin, sob o argumento de que não se trata de subproduto da Lava-Jato. O segundo foi a reação, comandada pelo ministro Gilmar Mendes, contra a injustificada quebra do sigilo entre jornalista e fonte, mote para a sublevação contra o Estado policial.
A prorrogação do jogo no Supremo leva os holofotes para o julgamento, pelo TSE, no dia 6, da chapa que elegeu Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014. A saída parece honrosa para um governante investigado por corrupção, organização criminosa e obstrução de justiça, mas Temer receia o juízo da primeira instância e negocia um novo pedido de vista no tribunal presidido por Gilmar Mendes.
A presença das Forças Armadas no Distrito Federal não deixará vestígio de povo nas imediações da Casa que hoje se ocupa da escolha de um nome para substituir o presidente. Se o biombo militar permanecer, os dois imperativos que movem Congresso e mercado nessa sucessão, a proteção contra a Lava-Jato e a manutenção das reformas, ficam livres de contestações populares, pelo menos na Praça dos Três Poderes.
O candidato hoje melhor aparelhado para atender às duas expectativas tem como principal óbice seu vínculo societário com um banqueiro investigado na Lava-Jato. Uma eventual delação de André Esteves, do BTG, tiraria o maior obstáculo à candidatura de Nelson Jobim.
Deputado, senador, ministro dos três últimos governos e ministro do Supremo, Jobim adquiriu seu principal ativo eleitoral depois que deixou a vida pública. A intimidade com os processos da Lava-Jato o transformou no principal consultor jurídico dos que buscam uma saída pela tangente.
A galeria de candidatos do colégio eleitoral, no entanto, seria mais reduzida se a plataforma de campanha estivesse reduzida a Lava-Jato e reformas. É o poder que o substituto de Temer terá na formatação da sucessão presidencial de 2018 que dificulta a formação de consensos.
Como dizem os questionários de pesquisa, "se a eleição fosse hoje" o candidato com mais chance de ser eleito seria o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A razão é simples. Foi ele o escolhido pela maioria dos 513 deputados que compõem esse colégio eleitoral formado por 594 delegados há pouco mais de três meses. Sua candidatura deixaria vaga a presidência da Câmara, valiosa moeda de troca na costura eleitoral.
Como a normatização da eleição indireta está em aberto, o Planalto aposta na demora para se votar uma lei complementar com as regras de elegibilidade - prazo de filiação partidária e de desincompatibilização de cargos públicos. Como árbitro do jogo no Congresso, Maia está mais apetrechado para angariar votos do que o senador Tasso Jereissati, preferido do PSDB, ou de nomes que correm por fora, em busca de raias equidistantes de oposição e governo, como o senador Armando Monteiro (PTB-PE).
A indisposição de ala do DEM de se manter a reboque do PSDB vitamina a candidatura de Maia. É o temor dos tucanos de que o deputado, se eleito para o Planalto, queira disputar a reeleição em 2018, que dificulta o entendimento entre as duas legendas. Tasso leva sobre Maia a vantagem de estar fora da Lava-Jato, condição que não constrange os aliados do deputado. Se vai se buscar uma saída para o presidente da República por que não se encontraria também um jeito de livrar o segundo na linha sucessória dos mesmos constrangimentos?
A escolha de um nome de fora do Congresso dependerá da regulamentação da eleição indireta. Por ser filiado a um partido (PMDB) e não ocupar cargo público, Jobim não teria restrições a enfrentar, mas nomes como o do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, do ex-ministro Carlos Ayres Brito e da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, só se viabilizam com uma regulamentação pouco restritiva.
Contra Meirelles pesa ainda sua condição de ex-conselheiro da JBS. Se parece inexplicável que a ex-presidente Dilma Rousseff tenha deixado os rombos da Petrobras passarem por baixo de suas pernas na condição de conselheira da estatal, também carece de explicação que a JBS tenha comprado 1.829 políticos sem o conhecimento de seu conselheiro. Meirelles ainda embute o incômodo, que parece não ter atingido nenhum procurador, com o que pareceu uma disposição deliberada de Joesley Batista em poupar seu ex-executivo.
Ayres e Carmen Lúcia são vistos como alternativas para um Congresso disposto a fazer as pazes com a opinião pública. O risco é a ausência de traquejo político de ambos os tornarem reféns de um Congresso que tem uma oportunidade única de testar os limites dos seus algozes nas vicissitudes da política.
Premonição
A banda brasiliense Scalene teve um estalo premonitório quando, há três anos, compôs "Inércia", que viria a se tornar a melhor trilha sonora desta crise: "Enquanto poucos se encarregam/ nosso destino definir/ inevitável não sentirmos/ sombras enormes nos cercam/ enquanto você paga o preço/ peço licença pra lembrar/ o quão pequeno eles nos tornam/ somos fantoches de uma triste inércia/ A narrativa está inversa (...)/ evoluímos no retrocesso/ são velhos atos reformulados/ vivemos tudo com tanta urgência/ justo pra isso não há pressa". Dois músicos da banda, Gustavo e Tomás Bertone, são filhos do ministro da Transparência, Torquato Jardim.
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