Na semana passada, o país foi surpreendido com a informação de que a Emenda Constitucional 99, aprovada em dezembro do ano passado, obriga a União a criar linha de crédito subsidiada para os Estados e municípios pagarem precatórios judiciais. É mais uma despesa a ser arcada pelo governo federal, que, desde 2014, registra déficits primários elevados em suas contas, isto é, não consegue arrecadar o suficiente em impostos para bancar os gastos e, por essa razão, tem recorrido ao aumento explosivo da dívida pública.
O ministro do Planejamento, Esteves Colnago, disse que o governo percebeu que a medida seria aprovada pelo Congresso em dezembro, mas não conseguiu evitar o movimento dos parlamentares realizado no encerramento do ano legislativo. Na verdade, as lideranças do governo na Câmara e no Senado orientaram suas bancadas a aprovar a medida, como mostram os mapas de votação das duas Casas. Pelas declarações do ministro, pode-se concluir que, mais uma vez, o governo apoiou suas bancadas contra as recomendações da equipe econômica.
Na votação em segundo turno na Câmara, a emenda recebeu 390 votos favoráveis e nenhum contrário. No Senado, também não houve voto contrário. Naquela Casa, a medida foi aprovada no primeiro e segundo turnos no mesmo dia.
O dispositivo que prevê a linha de crédito subsidiada foi incluído por um deputado, pois não constava da proposta original do senador José Serra (PSDB-SP). As mudanças feitas pela Câmara na emenda voltaram ao Senado e foram rapidamente aprovadas.
A Emenda 99 determina que, no prazo de seis meses, o governo crie a linha de crédito. No entanto, o tema ainda não foi regulamentado e tudo leva a crer que a equipe econômica fará um esforço para adiar a aplicação da medida.
Os precatórios são dívidas do Poder Público que a Justiça manda pagar quando não há mais a possibilidade de recursos judiciais. A Emenda 99 estabeleceu que o custo da linha de crédito será equivalente ao rendimento da caderneta de poupança. Como o custo de captação da União é dado, grosso modo, pela taxa básica de juros (Selic), superior aos juros da poupança, a diferença será um subsídio.
Especialistas consultados pelo Valor estimam que o custo da medida ficará entre R$ 2 bilhões e R$ 2,5 bilhões ao ano. O cálculo foi feito com o pressuposto de que existem, atualmente, cerca de R$ 100 bilhões em precatórios estaduais e municipais. Alguns dirão que não é muito, mas o custo é apenas um aspecto da questão.
Quando aprovaram a Emenda 95, que criou o teto de gastos para a União, os parlamentares escreveram na Carta Magna que a proposição legislativa que crie despesa obrigatória ou reduza receita deve ser acompanhada da estimativa de seu impacto orçamentário e financeiro. Ao incluir esse dispositivo na Constituição, imaginou-se que os parlamentares teriam colocado uma barreira à chamada "pauta bomba" - proposta feita por parlamentares que eleve gastos e inviabilizem o equilíbrio das contas. Ledo engano.
Ao aprovarem a Emenda 99, os congressistas desobedeceram à regra, pois não fizeram qualquer estimativa de quanto custará à União a linha de crédito criada para Estados e municípios pagarem os precatórios ou de como ela será custeada. Quantas proposições já foram aprovadas nos últimos meses que não obedecem à regra inscrita na Constituição?
Todos se lembram dos dispositivos incluídos pelos parlamentares na Lei 13.606/2018, que parcelou os débitos dos produtos rurais com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). As emendas feitas por deputados e senadores permitiram a renegociação de dívidas com crédito rural, estimadas em R$ 17 bilhões, com novas despesas para o Tesouro. O presidente Michel Temer vetou as benesses, mas os vetos foram derrubados pelo Congresso com o apoio dos próprios governistas. Também não houve qualquer estimativa do impacto orçamentário e financeiro das medidas.
O Congresso demonstra, infelizmente, que ainda não entendeu a gravidade da situação das contas públicas. Ao mesmo tempo em que aprova um teto para os gastos, cria sem parar novas despesas para a União. Esta não é a trilha que levará o país a superar definitivamente a longa recessão do período 2014-2016 e acelerar a taxa de expansão da economia.
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