O Estado de S. Paulo
Perda de arrecadação com IR vai abastecer
grupos já privilegiados
Na véspera das manifestações do Sete de Setembro, o presidente da Câmara, Arthur Lira,
impôs a votação da reforma do Imposto de
Renda na marra e acelerou a apresentação do parecer da reforma
administrativa na tentativa de mostrar que está tudo tranquilo como dantes no
quartel em Abrantes, enquanto o presidente Jair
Bolsonaro subia o tom dos ataques ao Supremo Tribunal Federal.
Lira conseguiu votar o seu projeto de reforma tributária, com apoio dos partidos de esquerda, mas
não ganhou. Nem ele, nem o Centrão governista
e, muito menos, os partidos de oposição que fizeram um acordão para aprovar o
projeto numa votação marcada pelo atropelo e por negociações no escuro.
Unidos no rolo compressor, carimbaram um projeto ruim e com distorções que aumentam, sim, a regressividade do sistema tributário. O momento, pós-pandemia que acentuou a miséria, exigia uma reforma da tributação decente com uma mudança no sistema na direção de maior progressividade. Os mais pobres deste País não ganharam com o texto aprovado.
No dia da votação, foi bizarro assistir a
expoentes da esquerda, no plenário da Câmara, fazendo discursos elogiosos
(muitos acima do tom) ao relator, deputado Celso Sabino,
e ao caráter distributivo de renda atribuído ao projeto. Foi uma sequência de
falas do tipo “vamos tributar os mais ricos e ajudar os mais pobres”. Sabino se
empolgou com os elogios e afagos: disse que a reforma iria beneficiar
empregadas domésticas e professores.
“Esta Câmara está blindada às
interferências políticas, aos protestos, às manifestações, à fala de A ou ao
pronunciamento de B. Não querem proteger quem recebe R$ 50 milhões de dividendos,
querem proteger a dona Maria, que tem um salário de R$ 2 mil, querem proteger o
seu João, que tem uma padaria e uma renda de R$ 100 mil, de R$ 200 mil, de R$
300 mil por ano”, bradou o relator.
Um verdadeiro festival de platitudes que
não justifica o pouco cuidado dos deputados ao não procurarem os especialistas,
inclusive, na própria esquerda. Não são um ou dois gatos pingados. São muitos e
experientes estudiosos que apontaram os erros dos projetos nos últimos dois
meses cada vez que o relator abria mais uma concessão. Uma delas é dar isenção
a lucros e dividendos de profissionais que ganham mais de R$ 300 mil por mês.
Na votação final, além das isenções
mantidas, Sabino recuou no corte de renúncias e favoreceu mudanças para fundos
dos super-ricos, entre outras benesses. Quem pode ganhou mais. A perda de
arrecadação vai abastecer grupos já privilegiados na contramão do que deveria
ser feito. Não faz nem cócegas no que é preciso fazer.
Os partidos de oposição preferiram vender o
discurso de que era o primeiro passo para a volta da tributação de lucros e
dividendos (bandeira da esquerda, dizem), de que a tabela do IRPF seria
corrigida e, por último, mostrar que eles conseguiram, no acordo com Lira e
Sabino, acabar com a restrição ao uso da declaração simplificada que o projeto
inicial previa. Aceitaram, na moita, até a redução de 20% para 15% da alíquota
de dividendos.
Uma das preocupações da oposição foi dizer
que o projeto era da Câmara, e não do governo Bolsonaro, do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Medo de perderem essa bandeira. Mas dizer que a manutenção do desconto
simplificado é um ganho, e aceitar isso como moeda de troca é de lascar.
Historicamente, nem a defesa da tributação de lucros e dividendos era uma
unanimidade na esquerda.
No final de 2015, quando a proposta foi
colocada na mesa do governo Dilma
Rousseff, teve ministro palaciano que achava que esse era assunto
ultraesquerdista. O discurso sempre foi: a direita só pensa na simplificação da
tributação de bens e serviços, o mais importante é a tributação de renda e
patrimônio. O irônico é que não fizeram quando estavam no governo. E, agora,
querem ser pais da proposta. No final das contas, a tributação de dividendos
ficará mais para inglês ver.
Grave mesmo foi os deputados terem aceito a
votação no escuro, sem que a sociedade tivesse conhecimento do que foi votado.
Prática condenada tantas vezes. Votaram um projeto secreto. Tem caroço nesse
angu das negociações. Daqui a pouco eles aparecem na panela.
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