terça-feira, 5 de agosto de 2008

DEU EM O GLOBO

'LEI DA ANISTIA DEU PERDÃO PARA OS DOIS LADOS'

Ex-ministro do STF, Velloso diz que assunto está superado, numa crítica indireta aos ministros Tarso e Vannuchi

BRASÍLIA. A punição de torturadores que atuaram durante o regime militar, defendida pelos ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e criticada duramente pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, não é consenso entre juristas e cientistas políticos. No centro da polêmica, está a interpretação da Lei da Anistia, que perdoou todos os crimes políticos ou que foram cometidos com motivação política desde 1961. Aprovado em 1979, durante a negociação da abertura, o texto permitiu o retorno dos exilados e beneficiou igualmente militantes de esquerda e militares. Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o jurista Carlos Velloso é contrário a uma revisão da lei.

- É um assunto superado. A Lei de Anistia é peremptória, e estabelece um esquecimento, um perdão para os dois lados. Foi uma pedra colocada sobre o ocorrido. Também houve crimes do lado dos opositores ao regime. Mexer com uma coisa dessas pode gerar uma bola de neve - afirma.
"Sob o ponto de vista político, é desastroso"
Velloso diz temer os efeitos da reabertura da discussão:

- Isso não seria bom para a democracia brasileira. Sob o ponto de vista político, é desastroso. Sob o ponto de vista jurídico, é difícil imaginar uma mudança na lei.

O debate é acirrado no governo e no Judiciário. Ex-presidente do STF, Nelson Jobim, disse na semana passada que a Lei da Anistia já atingiu seus objetivos, sendo o principal a pacificação nacional após o fim da ditadura. Para ele, "mudar essa legislação seria o mesmo que revogar aquilo que já foi decidido anteriormente".

O entendimento é compartilhado pelo atual decano do STF, Celso de Mello. Ele já disse que a legislação nacional não permite a punição de crimes cometidos durante o regime militar e que a Lei da Anistia foi equânime, sem privilegiar qualquer um dos lados.

Para Luiz Werneck Vianna, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), os defensores da punição aos torturadores fazem sua análise apenas sob a ótica dos direitos humanos. Ele pondera que a sociedade terá mais ganho se não mexer em feridas do passado.

- Reabrir o debate pode ser uma caixa de surpresas. Não se sabe o que vai se retirar dela, o bem ou o mal. A sociedade pode correr este risco sem saber o que tem dentro da caixa - explica o professor.

Biógrafa de Ernesto Geisel, o general que começou o processo de abertura, a cientista política Maria Celina D"Araujo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que o perdão aos torturadores foi negociado pelos militares durante a transição democrática. Ao devolver o poder a um governo civil, diz ela, as Forças Armadas queriam evitar qualquer clima de revanchismo. Por isso, teria prevalecido a interpretação de que a Lei de Anistia beneficiaria inclusive quem torturou.
- Por que aqui este assunto ficou intacto? Porque na transição brasileira isso foi um acordo feito com os políticos da época, Tancredo, Sarney e Forças Armadas, no sentido de que a anistia seria assim - afirma Maria Celina.

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