segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Kassab e o desafio do 19° lugar


César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O instituto da reeleição impregnou o processo eleitoral brasileiro de conservadorismo, conforme observa o cientista político Alberto Carlos Almeida, em seu livro "A Cabeça do Eleitor". A posse dos instrumentos de administração, conjugado aos exíguos prazos para se fazer campanha no Brasil, normalmente tornam o presidente, prefeito ou governador um dos pólos da eleição. A disputa tende a reduzir-se a um plebiscito: de um lado o administrador a pedir a renovação de seu mandato, do outro o adversário que com mais eficiência consegue encarnar o sentimento da oposição.

Nenhum dos dois presidentes que se candidataram à reeleição no Brasil deixou de polarizar a corrida eleitoral e são raríssimos os casos de governador ou prefeito de capital que fracassaram em chegar ao segundo turno.

Dos 20 prefeitos de capital candidatos a um segundo mandato este ano, a metade aparece como reeleita no primeiro turno pelas pesquisas de opinião. Outros sete teriam que lutar pela recondução em um segundo turno, correndo riscos. Apenas três estão fora da polarização : o paulistano Gilberto Kassab (DEM), o soteropolitano João Henrique Carneiro (PMDB) e o manauara Serafim Corrêa (PSB).

Em intenção de voto, Kassab aparece como o penúltimo entre os que tentam se reeleger, segundo compilação de pesquisas feita pelo colunista Fernando Rodrigues, do Portal UOL. Se existisse um ranking, seria o 19º colocado. O fato de Kassab não ter sido originalmente eleito em 2004 é um complicador para o prefeito paulistano, mas não a única razão de seu desempenho. Na mesma situação, Edvaldo Nogueira (PC do B) em Aracaju e Iradilson Sampaio (PSB) em Boa Vista lideram a disputa em suas capitais.

O retrospecto das campanhas de 2000 e 2004 mostra uma relativa estabilidade de prefeitos candidatos à reeleição nas pesquisas. O movimento nas pesquisas, quando acontece, costuma ser descendente. .

O prefeito ainda precisa melhorar avaliação

Os aliados e assessores de Kassab gostam de lembrar que o eleitor paulistano tem dificuldade de identificar Kassab com a sua gestão, e daí deduzem que o prefeito paulistano tem alto potencial de crescimento. A última pesquisa Datafolha mostrou uma situação que beira o inverossímil. Dos que consideram a administração kassabista boa ou ótimo, apenas 30% votam no autor da obra. Outros 27% preferem o tucano Geraldo Alckmin e o mesmo percentual opta pela petista Marta Suplicy. Já os que detestam o governo de Kassab fazem uma opção muito clara: Marta consegue neste segmento 57%, tornando-se a cara da oposição em São Paulo.

Nenhum dos outros concorrentes a prefeitura este ano é tão pouco identificado com a própria gestão quanto Kassab. Em Porto Alegre, José Fogaça (PMDB) consegue 62% das intenções entre os eleitores que aprovam sua administração, João Henrique alcança 41% neste cruzamento e assim por diante.

Portanto bastaria identificar Kassab com seu governo que a transferência de votos para o DEM seria imediata. Nem governo, nem oposição, o tucano Alckmin definharia, enquanto o prefeito pavimentaria seu caminho para o segundo turno. Os aliados e assessores de Kassab divulgam a tese escorados nos estudos de Almeida. No livro lançado este ano, o cientista político amplamente citado pelo DEM tenta demonstrar que a aprovação ou não de uma administração é uma variável que sobrepuja todas as outras na definição de voto.

Parece evidente que o crescimento de Kassab nas últimas pesquisas se explica por esta lógica. O problema é o horizonte que o prefeito terá para continuar crescendo entre os que aprovam sua gestão. O próprio livro de Almeida mostra que os kassabistas partem de uma premissa errada: a avaliação do prefeito paulistano não é boa o suficiente para, por si só, deixá-lo em condições de ser reeleito. Está muito longe disso. Confrontando 40 pesquisas com o resultado eleitoral entre 2000 e 2004, a maior parte dos quais no Rio de Janeiro, Almeida concluiu que todos os prefeitos - sem exceção - que estavam com aprovação abaixo de 40% perderam a eleição. E a imensa maioria dos que estavam acima dos 45% ganhou. Na faixa intermediária há uma zona cinzenta, em que outras variáveis prevaleceram.

De acordo com a pesquisa Datafolha, a aprovação de Kassab é de 44%. Está com viés de alta e é muito melhor que as de João Henrique e Serafim Corrêa, que mal conseguem a metade deste índice. Trata-se de um percentual próximo aos obtidos pelos prefeitos sujeitos ao segundo turno, como Luizianne Lins (PT) em Fortaleza; Dario Berger (PMDB) em Florianópolis e Fogaça em Porto Alegre.

A diferença é que nenhum dos três enfrenta simultaneamente um ex-governador e uma ex-prefeita integrantes dos partidos que venceram as últimas duas eleições, como é o caso de Kassab, um estreante em disputas majoritárias.

Desconhecidos totais ganharam eleições no passado, como Celso Pitta em São Paulo e Luiz Paulo Conde no Rio de Janeiro em 1996. Márcio Lacerda está repetindo o feito este ano em Belo Horizonte. Mas Pitta e Conde tinham - e Lacerda tem - patronos para os sustentar. Com o governador José Serra constrangido pela fidelidade eleitoral a não fazer campanha por Kassab, o candidato do DEM terá dificuldade em sair da areia movediça puxando para cima os próprios cabelos, como o personagem Barão de Munchausen fazia em suas aventuras, para a diversão das crianças. Ninguém pode ser o Pitta ou o Conde de si mesmo. Segundo especialistas em pesquisas que colaboraram com o DEM recentemente, Kassab ainda precisaria crescer sua avaliação positiva em pelo menos dez pontos, o que significa dobrar tudo que aconteceu desde o começo da campanha , para poder polarizar com os petistas. Está longe de ser impossível. Mas em disputas majoritárias será algo próximo do inédito.

César Felício é repórter de Política em São Paulo. O titular da coluna, às segundas-feiras, Fabio Wanderley Reis, excepcionalmente, não escreve hoje

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