Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Presidente da Câmara, relacionado entre os juristas do Parlamento, Michel Temer (PMDB-SP) confessou, esta semana, pasmem, no dia seguinte àquele em que havia condenado a prática, ter usado recursos públicos destinados ao seu mandato em benefício da família a quem distribuiu passagens aéreas. Presidente do Senado, ex-presidente da República, assessorado por equipes jurídicas há anos, o senador José Sarney (PMDB-AP) não só admitiu como tentou justificar a utilização de verbas e funcionários públicos para atender suas demandas privadas. Estas ocorrências, em tão elevados escalões, mostram como o equívoco está impregnado em todo o Congresso.
Parlamentar jamais citado em escândalos, o líder do PPS, deputado Fernando Coruja (SC), tentou manifestar-se sobre a falta de critérios na utilização de passagens aéreas pagas com dinheiro do orçamento da Câmara com uma justificativa torta: "Ninguém mais sabe qual é o nosso limite ético. Não sabemos, por exemplo, se podemos ou não dar uma passagem para um doente vir se tratar em Brasília". Sabemos, sim, deputado. Os parlamentares não podem dar passagens para doentes ou para sadios viajarem seja para onde for, a não ser, obviamente, que o dinheiro empregado na doação venha do seu próprio bolso.
Excepcional, como sempre, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), exemplo de equilíbrio e bom senso no Congresso, revelou ter dado passagens aéreas para amigos, por equívoco seu mesmo.
Penitenciou-se por não haver percebido e questionado os critérios de concessão de passagens.
Informou que vai abrir os seus dados e enfrentar a situação.
Saudado tal qual um Caramuru dos tempos modernos, surgido para a glória há nove meses, o delegado Protógenes Queiroz, afastado da Polícia Federal por abuso de poder e extrapolação de funções, teve, tem e terá, conforme prometeu sua fornecedora, passagens para viagens patrocinadas pela deputada Luciana Genro, do PSOL, com dinheiro do contribuinte. Ela confirmou a doação para o delegado, e considerou-a "legítima": "O delegado usou, usará, e considero um dos usos mais justos e legítimos da minha cota de passagem porque foi na luta contra a corrupção. É a mesma bandeira do P-SOL e do delegado Protógenes". Ainda que Protógenes não estivesse declaradamente em campanha para se tornar conhecido e disputar eleições, na esteira da operação policial Satiagraha, a deputada estaria coberta de equívocos. Este não é um uso legítimo do privilégio atribuído ao exercício do seu mandato.
Notabilizado por pertencer à tropa de choque do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o suplente de senador Wellington Salgado (PSDB-MG), no exercício do cargo, propaga que passou a usar dois celulares, sendo o do Senado coberto por uma capa com o desenho de uma caveira. Disse que não pode utilizar o telefone da instituição, pago com dinheiro do contribuinte, "para nada, tudo vira escândalo". Presepada à parte, se o senador utilizar o telefone do trabalho para trabalhar, não vira.
A farra de distribuição de verbas públicas por intermédio de passagens aéreas para amigos, namoradas, família em geral, conhecidos em particular, o uso abusivo das verbas para postagem, impressos, auxílio-moradia e outros privilégios, têm o aspecto, o cheiro e a cor da transgressão. O que surpreende é a ignorância dos detentores de mandatos a respeito da atividade para cuja desempenho foram eleitos. Os exemplos se multiplicam, em quantidade e qualidade, e o parlamentar fica indignado com a indignação da sociedade.
Razão não há. As atribuições do Congresso Nacional estão bem definidas na Constituição em vigor. Devem deputados e senadores dispor sobre todas as matérias de competência da União, tais como, num exemplo de tarefa que daria muito trabalho, dispêndio de energia, de recursos e de talento, legislar sobre o sistema tributário, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual, as operações de crédito, a dívida pública. Cabe ao Congresso dispor sobre planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento. Ainda, sobre organização administrativa, judiciária, do Ministério Público; de matéria financeira, cambial e monetária.
É da competência exclusiva do Congresso julgar, anualmente, as contas do Executivo e apreciar relatórios sobre a execução dos planos de governo; fiscalizar e controlar os atos do poder Executivo, inclusive os da administração indireta; zelar pela sua competência legislativa diante da atribuição normativa de outros poderes; sustar atos do poder Executivo que exorbitem dos limites da delegação legislativa; autorizar o Presidente da República a declarar guerra.
São dezenas de outras competências e atribuições, igualmente importantes. Na Carta Magna, só não vê quem não quer, fica claro que o mandato parlamentar destina-se a representar o cidadão, fazer leis, elaborar o orçamento e fiscalizar o Executivo. O Orçamento da União, a lei mais importante que o Congresso deve editar anualmente, que contém as formas pelas quais o poder público vai devolver ao cidadão a contribuição que dele tomou para executar seu projeto de país, é votado no último segundo do prazo, e às vezes até extrapola os limites do ano, sem que a maioria saiba exatamente o que está ali disposto. Por mais que o Parlamento tenha ampliado suas atividades, a essência é esta. Parlamentares expõem-se ao vexame de fazer um orçamento fantasioso, sem nunca verificarem as obras que nele incluíram, muitas vezes por insistência de lobistas. Um orçamento que não é executado e que o submete à humilhação de mendigar verbas na porta de repartições públicas. Sua tarefa fundamental não lhe merece a atenção.
O mandato parlamentar envolve riscos, seja aqui, na Inglaterra ou nos Estados Unidos. O Parlamento protagoniza escândalos, também no mundo inteiro. Mas o que parece faltar ao nosso é a compreensão básica de que o mandato não é para escrever e publicar livros, oferecer passagens, organizar homenagens, distribuir privilégios.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Presidente da Câmara, relacionado entre os juristas do Parlamento, Michel Temer (PMDB-SP) confessou, esta semana, pasmem, no dia seguinte àquele em que havia condenado a prática, ter usado recursos públicos destinados ao seu mandato em benefício da família a quem distribuiu passagens aéreas. Presidente do Senado, ex-presidente da República, assessorado por equipes jurídicas há anos, o senador José Sarney (PMDB-AP) não só admitiu como tentou justificar a utilização de verbas e funcionários públicos para atender suas demandas privadas. Estas ocorrências, em tão elevados escalões, mostram como o equívoco está impregnado em todo o Congresso.
Parlamentar jamais citado em escândalos, o líder do PPS, deputado Fernando Coruja (SC), tentou manifestar-se sobre a falta de critérios na utilização de passagens aéreas pagas com dinheiro do orçamento da Câmara com uma justificativa torta: "Ninguém mais sabe qual é o nosso limite ético. Não sabemos, por exemplo, se podemos ou não dar uma passagem para um doente vir se tratar em Brasília". Sabemos, sim, deputado. Os parlamentares não podem dar passagens para doentes ou para sadios viajarem seja para onde for, a não ser, obviamente, que o dinheiro empregado na doação venha do seu próprio bolso.
Excepcional, como sempre, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), exemplo de equilíbrio e bom senso no Congresso, revelou ter dado passagens aéreas para amigos, por equívoco seu mesmo.
Penitenciou-se por não haver percebido e questionado os critérios de concessão de passagens.
Informou que vai abrir os seus dados e enfrentar a situação.
Saudado tal qual um Caramuru dos tempos modernos, surgido para a glória há nove meses, o delegado Protógenes Queiroz, afastado da Polícia Federal por abuso de poder e extrapolação de funções, teve, tem e terá, conforme prometeu sua fornecedora, passagens para viagens patrocinadas pela deputada Luciana Genro, do PSOL, com dinheiro do contribuinte. Ela confirmou a doação para o delegado, e considerou-a "legítima": "O delegado usou, usará, e considero um dos usos mais justos e legítimos da minha cota de passagem porque foi na luta contra a corrupção. É a mesma bandeira do P-SOL e do delegado Protógenes". Ainda que Protógenes não estivesse declaradamente em campanha para se tornar conhecido e disputar eleições, na esteira da operação policial Satiagraha, a deputada estaria coberta de equívocos. Este não é um uso legítimo do privilégio atribuído ao exercício do seu mandato.
Notabilizado por pertencer à tropa de choque do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o suplente de senador Wellington Salgado (PSDB-MG), no exercício do cargo, propaga que passou a usar dois celulares, sendo o do Senado coberto por uma capa com o desenho de uma caveira. Disse que não pode utilizar o telefone da instituição, pago com dinheiro do contribuinte, "para nada, tudo vira escândalo". Presepada à parte, se o senador utilizar o telefone do trabalho para trabalhar, não vira.
A farra de distribuição de verbas públicas por intermédio de passagens aéreas para amigos, namoradas, família em geral, conhecidos em particular, o uso abusivo das verbas para postagem, impressos, auxílio-moradia e outros privilégios, têm o aspecto, o cheiro e a cor da transgressão. O que surpreende é a ignorância dos detentores de mandatos a respeito da atividade para cuja desempenho foram eleitos. Os exemplos se multiplicam, em quantidade e qualidade, e o parlamentar fica indignado com a indignação da sociedade.
Razão não há. As atribuições do Congresso Nacional estão bem definidas na Constituição em vigor. Devem deputados e senadores dispor sobre todas as matérias de competência da União, tais como, num exemplo de tarefa que daria muito trabalho, dispêndio de energia, de recursos e de talento, legislar sobre o sistema tributário, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual, as operações de crédito, a dívida pública. Cabe ao Congresso dispor sobre planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento. Ainda, sobre organização administrativa, judiciária, do Ministério Público; de matéria financeira, cambial e monetária.
É da competência exclusiva do Congresso julgar, anualmente, as contas do Executivo e apreciar relatórios sobre a execução dos planos de governo; fiscalizar e controlar os atos do poder Executivo, inclusive os da administração indireta; zelar pela sua competência legislativa diante da atribuição normativa de outros poderes; sustar atos do poder Executivo que exorbitem dos limites da delegação legislativa; autorizar o Presidente da República a declarar guerra.
São dezenas de outras competências e atribuições, igualmente importantes. Na Carta Magna, só não vê quem não quer, fica claro que o mandato parlamentar destina-se a representar o cidadão, fazer leis, elaborar o orçamento e fiscalizar o Executivo. O Orçamento da União, a lei mais importante que o Congresso deve editar anualmente, que contém as formas pelas quais o poder público vai devolver ao cidadão a contribuição que dele tomou para executar seu projeto de país, é votado no último segundo do prazo, e às vezes até extrapola os limites do ano, sem que a maioria saiba exatamente o que está ali disposto. Por mais que o Parlamento tenha ampliado suas atividades, a essência é esta. Parlamentares expõem-se ao vexame de fazer um orçamento fantasioso, sem nunca verificarem as obras que nele incluíram, muitas vezes por insistência de lobistas. Um orçamento que não é executado e que o submete à humilhação de mendigar verbas na porta de repartições públicas. Sua tarefa fundamental não lhe merece a atenção.
O mandato parlamentar envolve riscos, seja aqui, na Inglaterra ou nos Estados Unidos. O Parlamento protagoniza escândalos, também no mundo inteiro. Mas o que parece faltar ao nosso é a compreensão básica de que o mandato não é para escrever e publicar livros, oferecer passagens, organizar homenagens, distribuir privilégios.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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