terça-feira, 16 de junho de 2009

Falência múltipla

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Vamos que o senador José Sarney não aguente a pressão e decida retomar a já cogitada ideia de renunciar à presidência do Senado. E daí? A crise que assola o Parlamento poderá se aplacar por algum tempo, mas não estará, nem de longe, resolvida.

Saindo, pode ser que o senador preserve o pouco que lhe resta em termos de reputação, mas não salva o Senado nem o Congresso da derrocada em matéria de credibilidade.

Simplesmente porque Sarney não é a causa da crise. Se muito for, é apenas produto de práticas políticas referidas num modelo do século passado (lato e estrito senso) e, portanto, falido.

Reduzir as coisas à retirada de Sarney de cena pode produzir uma bandeira, mas não se constitui uma solução para um problema que se agrava justamente por falta de quem lhe dê a devida dimensão, e, mais importante, que se disponha a enfrentá-lo de maneira definitiva, sem remendos.

Uma eventual renúncia de Sarney hoje, do ponto de vista coletivo, chega a ser irrelevante. Quando não, contraproducente, sob a ótica da imperiosa necessidade de mudança de métodos e elevação do padrão da política brasileira.

Se Sarney sair, tomará conta do ambiente aquela sensação de bem-estar temporário, falso sentido de dever cumprido, equivalente a um emplastro que aquece a pele mas não dizima o mal.

É o curativo de sempre. Afasta-se da vista o personagem que no momento simboliza crise e o assunto fica por um tempo em suspenso. Assim tem sido em todos os episódios, cuja natureza não varia: o uso do poder público em proveito próprio, sustentado na convicção de que tal direito é inerente ao cargo ou ao mandato pelas urnas ou por algum poderoso delegado.

Vamos a dois exemplos bem didáticos e claros. O primeiro: o neto de Sarney exonerado por ato secreto do gabinete do senador Cafeteira foi substituído pela mãe, uma ex-namorada do filho do presidente do Senado, como forma de pagamento de pensão ao arrepio dos trâmites legais.

O segundo: o senador Renan Calheiros delegou a um lobista de empreiteira o pagamento da pensão de uma filha, igualmente fruto de um namoro paralelo ao casamento.

Ambos solucionaram problemas particulares repassando a outrem o pagamento das contas, mediante o uso do poder público do qual são detentores.

Não obstante provas de variados ilícitos, inclusive o da apresentação de documentação falsa ao Senado, Calheiros teve seu mandato preservado em troca da entrega da presidência da Casa.

A barbaridade esteve patente, mas, a sensação de alívio provisório foi o suficiente para a Casa considerar o assunto resolvido. E mais: superado ao ponto de a maioria aceitar a volta de José Sarney pela terceira vez à presidência do Senado, ainda que isso fosse tratado abertamente como parte do projeto de Calheiros para a retomada do poder perdido.

A maioria sustentou e a minoria legitimou o processo que, sob qualquer ângulo que se olhe, era um legítimo monumento à obsolescência de uma maneira de fazer política ao molde dos velhos coronéis: referida nas conveniências de dentro e indiferente às demandas de fora.

Pedir para Sarney sair é querer tirar - com perdão da vulgaridade comparativa - o bode da sala. Ademais, é de certa forma permitir que o senador e todos os outros fujam da responsabilidade que lhes cabe: reconhecer a falência das práticas personalizadas de exercício e manutenção do poder e mudar radicalmente os procedimentos.

Para isso, se impõe uma preliminar que não é a renúncia de Sarney, mas uma reflexão seguida de autocrítica sobre as razões pelas quais ele conseguiu ser eleito presidente do Senado, tendo como principal articulador de campanha um senador que quebrou todas as regras do decoro e escapou de perder o mandato por obra de arranjos no figurino de antanho.

Em plena era da informação instantânea, não dá mais certo.

ALTOS E BAIXOS

Antes de ser ministro das Relações Exteriores de Itamar Franco, antes de assumir a Fazenda e executar o Plano Real, antes de ter certeza que poderia se eleger deputado federal por São Paulo, o então senador Fernando Henrique Cardoso cogitou por breve tempo uma candidatura a prefeito do Rio, onde nasceu e de onde saiu ainda menino.

O episódio contava a história de um PSDB quase iniciante, incipiente, sem base sólida em São Paulo e de um político algo neófito, sem destino definido.

O caso de Ciro Gomes é diferente. Ao que consta, não teria dificuldade na reeleição de deputado pelo Ceará, onde se criou e fez carreira política, chegando a governador.

A hipótese de se candidatar a governador de São Paulo, onde nasceu (Pindamonhangaba), entra em cena relatando uma outra história: a de um PT desprovido de um só nome viável para concorrer ao governo do maior Estado da federação, berço do partido, plataforma de lançamento 30 anos atrás da trajetória de Lula rumo à Presidência da República.

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