segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Reforma eleitoral e realinhamento político

Alfredo Sirkis
DEU NO JORNAL DO BRASIL


RIO - Os recentes e recorrentes escândalos, as mazelas cotidianamente expostas da política brasileira têm raiz no nosso sistema eleitoral de voto proporcional, personalizado e que apelidei de “voto jabuticaba”, lembrando aquela velha frase de Tancredo Neves: “Só existe no Brasil e não é jabuticaba, então não presta!”. Não que inexista – longe disso! – corrupção no sistema majoritário distrital anglo-saxão, no proporcional por lista partidária da Espanha e Portugal ou no voto distrital misto alemão. Os escândalos na Câmara dos Comuns britânica, os recentes envolvendo o setor imobiliário espanhol ou aquele famoso, dos anos 90, de financiamento eleitoral envolvendo um estadista do calibre de Helmut Kohl, na Alemanha, atestam isso. Mas sua escala e grau de entropia sobre a vida nacional são sensivelmente menores comparados à catástrofe que temos aqui: todo um sistema de poder fundamentado na noção de que a política é uma carreira individual, que cada político é uma entidade em si mesmo. Os partidos são meras legendas de abrigo de operadores com redutos individuais cujo somatório – e não a identificação do eleitorado com programas ou propósitos – confere aos partidos maior ou menor “espaço”. Já “espaço” é tudo aquilo que serve à reeleição: cargos comissionados, controle sobre contratos e serviços públicos, corrupção para manter centros assistenciais com clientelas eleitorais cativas e, até, compra direta e descarada de voto.
Esse sistema fabricará incessantemente os Jaderes, Renans, ACMs e Sarneys da vida cuja estigmatização individual não produzirá, por si só, nenhuma mudança sistêmica.

Mudar essa lógica e adotar um sistema de voto distrital misto ou proporcional por lista poderia, eventualmente, propiciar uma vida política mais programática, um serviço público menos clientelista e uma governabilidade mais estável. Uma eventual maioria parlamentar não teria mais que ser obtida pela “negociação” individual com um baixo clero parlamentar.

As campanhas tornar-se-iam tremendamente mais baratas, os partidos representariam alguma coisa mais que meros grupamentos de pessoas se acotovelando atrás de voto. O debate político poderia girar mais em torno de problemas e soluções. Outras mazelas surgiriam. É previsível, por exemplo, que haja corrupção, favoritismo ou nepotismo, internamente aos partidos, em torno da confecção das listas eleitorais durante convenções.

Mas tais práticas deixariam os partidos responsáveis muito mais expostos à pronta punição coletiva pelo voto. Não me iludo. Não haverá tão cedo mudança no sistema eleitoral porque os atuais deputados parlamentares não desejam alterar o sistema pelo qual foram eleitos e porque certos formadores de opinião, equivocadamente, consideram sistemas adotados por democracias mais adiantadas, como o voto proporcional por lista ou o ditrital misto, sinônimos de “tungar” o eleitor do direito de votar no “seu” candidato individual – na maioria das vezes nosso bom e velho provedor de assistencialismo.

O voto proporcional “jabuticaba” produziu esse quadro de alianças anômalo de dois partidos com propostas de governo na realidade não muito diferentes, o PSDB e o PT, que, fortemente polarizados, buscam no mundo do atraso e do clientelismo suas alianças de governo e delas resultam prisioneiros. Essas duas vertentes da social-democracia, à brasileira, contribuíram para uma melhoria do quadro econômico e social, nos últimos 15 anos, mas atingiram o limite de seu paradigma comum no que diz respeito a duas questões fundamentais: a sustentabilidade ecológica-econômica e a sustentabilidade institucional. No momento que boa parte do mundo se sensibiliza pela urgência de alterar profundamente seu modelo de desenvolvimento, adotar padrões de redução drástica de emissões de carbono, investir em energias limpas, preservar a biodiversidade e encará-la como um grande potencial econômico, rediscutir mobilidade, urbanismo, reciclagem; aqui vivemos ainda a hegemonia de um desenvolvimentismo dos anos 60, predador de recursos naturais, fomentador de desperdícios e destruidor de ecossistemas. O lucro imediato dita caminhos que a médio prazo levam a grandes impasses e tremendos prejuízos coletivos.

A proposta verde busca um futuro compromisso histórico capaz de, mais adiante, ajudar a aproximar essas duas vertentes da social-democracia, hoje polarizadas, separá-las de sua dependência ao atraso e propor-lhes uma nova agenda por uma sociedade ecológica, social e institucionalmente sustentável. Para que isso seja possível todo um corpo de novas ideias precisa ser exposto e oferecido como alternativa política no debate da campanha presidencial. Além de uma economia verde, um novo modelo de desenvolvimento sustentável, defendemos um novo modelo político-eleitoral lançando as bases sistêmicas para uma vida política menos corrupta, clientelista e assistencialista, um serviço público “lipoaspirado” de empreguismo, cargos comissionados de provimento eleitoreiro.

Buscaremos uma aliança de governo, programática, assentada num realinhamento histórico das duas vertentes hoje rivais da social-democracia sob uma égide verde de sustentabilidade ambiental, social e política. Essa é uma das ambiciosas motivações para a eventual candidatura de Marina Silva à Presidência.

* Alfredo Sirkis é vereador do Rio de Janeiro e presidente do Partido Verde-RJ.

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