DEU EM O GLOBO
“Lula, o filho do Brasil” seria apenas um bom filme de entretenimento, na linha de “Dois filhos de Francisco”, se não tivesse um claro viés propagandístico.
Nesse aspecto, parece-se muito com o filme “Che”, de Steven Soderbergh, que, como já escrevi aqui, assemelhase a uma t-shirt com a famosa foto de Korda estampada, não passa de propaganda do mito. Da mesma forma, o filme de Fábio Barreto poderia ser definido, não como uma camiseta com a estrela vermelha do PT, mas uma explicação da gênese do “lulismo”, com o líder acima dos partidos e dos políticos
O filme tem uma preocupação de evitar temas polêmicos da vida de Lula, e até mesmo deturpa alguns fatos na procura da melhor imagem para seu personagem central.
Não é um filme politizado como o de Soderbergh, e até mesmo na busca desse enfoque mais popular se caracteriza como uma peça de propaganda.
Algumas passagens do filme contradizem a própria narrativa de Lula, como, por exemplo, quando mostra o Luiz Inácio adolescente todo orgulhoso, manchando seu primeiro macacão com óleo da fábrica onde conseguiu se empregar como estagiário de torneiro mecânico.
No documentário “Entreatos”, de João Moreira Salles, porém, o próprio Lula se define: há um depoimento de viva voz em que ele diz que sempre usou macacão e nunca se acostumou.
Mas bastaram três dias de terno e gravata para uma perfeita adaptação.
O Che Guevara de Soderbergh tem apenas a asma como sinal de um ser humano comum e mesmo assim para engrandecer sua capacidade de superação dos obstáculos que enfrenta na selva boliviana.
O Lula de Barreto está sempre do lado certo, até mesmo quando na vida real esteve do outro lado. O roteiro do filme foi escrito por Denise Paraná, autora do livro do mesmo nome. Mesmo que se saiba que os filmes não podem seguir literalmente os livros em que se baseiam, contar uma história completamente diferente do que aconteceu não tem explicação.
É o que se passa no relato de uma greve numa pequena tecelagem em 1962. O filme mostra os operários invadindo a fábrica, depredando tudo, e subindo as escadarias para o sobrado, onde trabalhavam, segundo relato de Lula no livro, “umas oito ou nove pessoas no máximo”.
Diante da invasão, o dono da tecelagem atirou e feriu um dos operários. Segundo Lula, “o pessoal ficou invocado e jogou pela janela o dono da fábrica; ele caiu do segundo andar. O cidadão caiu no chão e lá embaixo o pessoal chutou, agrediu. Foi a cena mais violenta que eu já vi”.
O relato de Lula continua: “Outros grevistas apartaram.
Ele foi para o hospital, mas acho que ele morreu, a impressão que eu tenho é que ele não sobreviveu”.
A lição tirada por Lula foi de que “o estrago tinha sido feito, tanto para o nosso lado quanto para o lado do empresário.
Eu fiquei assustado, achava que era muita violência por causa de uma greve, mas ao mesmo tempo a gente tinha sido vítima de um tiro.
Então, eu achava que o pessoal estava fazendo justiça”.
No filme, somente a crítica de Lula à violência aparece, nenhum sinal desses sentimentos mistos, dessa incerteza, desse senso primário de justiça que aparece no relato do livro.
É mais grave a deturpação dos fatos do que a sua omissão, como no caso tristemente famoso do relacionamento de Lula com a enfermeira Miriam Cordeiro, com quem teve a filha Lurian.
O filme não aborda o tema, que entrou na história política brasileira devido à campanha de 1989, em que o então adversário Fernando Collor colocou no programa de propaganda eleitoral um depoimento dela acusando Lula de ter querido que ela abortasse.
As explicações para a omissão são várias e desencontradas, uns dizendo que a passagem chegou a ser filmada mas retirada da versão final com receio de que Miriam Cordeiro vetasse o filme, outros dizendo que a história estava no roteiro mas não chegou a ser filmada pelos mesmos motivos.
O fato é que, no livro de Denise Paraná, há até mesmo um depoimento de Maria Ferreira Moreno, um das irmãs de Lula, que desmente a versão de Miriam Cordeiro, afirmando que Lula ficou muito contente quando soube que ela estava grávida e que, embora tenha brigado com a namorada, visitava sempre a filha.
Ao que tudo indica, a relação de Lula com a filha Lurian é muito boa. Ela hoje é secretária de um município dirigido pelo PT de Santa Catarina, e seu marido, Marcelo Sato, está até mesmo sendo acusado pela Polícia Federal de tráfico de influência.
Esse assunto, aliás, parece ter sido superado pelo próprio Lula, que tem o hoje senador Fernando Collor como um de seus principais aliados políticos no Senado. Não havia razão, portanto, para que o filme não abordasse o tema, o que daria oportunidade para se traçar um perfil mais cheio de nuances de um dos principais líderes políticos do mundo, sem exageros.
A decisão de fazer um filme anódino, onde só se realçam as virtudes de Lula desde criança, acabou prejudicando o filme como concepção artística, embora seja um competente produto do ramo do entretenimento e, sobretudo, do marketing político.
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, já chamou um dia Lula de “Nosso Guia”.
A ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata oficial à sucessão de Lula pelo PT, aparece na propaganda política da televisão dizendo que “Lula já nos indicou o caminho”.
O sentido é o mesmo, o do homem providencial que mostra o caminho a seus seguidores, primeiro no sindicato e depois à frente do país.
Com a popularidade nas alturas, é provável que a exibição de “Lula, o filho do Brasil” bata recordes de bilheteria, e sirva para consolidar ainda mais o mito do líder popular, do salvador da pátria.
Mas somente dessa maneira indireta terá influência na sucessão presidencial.
“Lula, o filho do Brasil” seria apenas um bom filme de entretenimento, na linha de “Dois filhos de Francisco”, se não tivesse um claro viés propagandístico.
Nesse aspecto, parece-se muito com o filme “Che”, de Steven Soderbergh, que, como já escrevi aqui, assemelhase a uma t-shirt com a famosa foto de Korda estampada, não passa de propaganda do mito. Da mesma forma, o filme de Fábio Barreto poderia ser definido, não como uma camiseta com a estrela vermelha do PT, mas uma explicação da gênese do “lulismo”, com o líder acima dos partidos e dos políticos
O filme tem uma preocupação de evitar temas polêmicos da vida de Lula, e até mesmo deturpa alguns fatos na procura da melhor imagem para seu personagem central.
Não é um filme politizado como o de Soderbergh, e até mesmo na busca desse enfoque mais popular se caracteriza como uma peça de propaganda.
Algumas passagens do filme contradizem a própria narrativa de Lula, como, por exemplo, quando mostra o Luiz Inácio adolescente todo orgulhoso, manchando seu primeiro macacão com óleo da fábrica onde conseguiu se empregar como estagiário de torneiro mecânico.
No documentário “Entreatos”, de João Moreira Salles, porém, o próprio Lula se define: há um depoimento de viva voz em que ele diz que sempre usou macacão e nunca se acostumou.
Mas bastaram três dias de terno e gravata para uma perfeita adaptação.
O Che Guevara de Soderbergh tem apenas a asma como sinal de um ser humano comum e mesmo assim para engrandecer sua capacidade de superação dos obstáculos que enfrenta na selva boliviana.
O Lula de Barreto está sempre do lado certo, até mesmo quando na vida real esteve do outro lado. O roteiro do filme foi escrito por Denise Paraná, autora do livro do mesmo nome. Mesmo que se saiba que os filmes não podem seguir literalmente os livros em que se baseiam, contar uma história completamente diferente do que aconteceu não tem explicação.
É o que se passa no relato de uma greve numa pequena tecelagem em 1962. O filme mostra os operários invadindo a fábrica, depredando tudo, e subindo as escadarias para o sobrado, onde trabalhavam, segundo relato de Lula no livro, “umas oito ou nove pessoas no máximo”.
Diante da invasão, o dono da tecelagem atirou e feriu um dos operários. Segundo Lula, “o pessoal ficou invocado e jogou pela janela o dono da fábrica; ele caiu do segundo andar. O cidadão caiu no chão e lá embaixo o pessoal chutou, agrediu. Foi a cena mais violenta que eu já vi”.
O relato de Lula continua: “Outros grevistas apartaram.
Ele foi para o hospital, mas acho que ele morreu, a impressão que eu tenho é que ele não sobreviveu”.
A lição tirada por Lula foi de que “o estrago tinha sido feito, tanto para o nosso lado quanto para o lado do empresário.
Eu fiquei assustado, achava que era muita violência por causa de uma greve, mas ao mesmo tempo a gente tinha sido vítima de um tiro.
Então, eu achava que o pessoal estava fazendo justiça”.
No filme, somente a crítica de Lula à violência aparece, nenhum sinal desses sentimentos mistos, dessa incerteza, desse senso primário de justiça que aparece no relato do livro.
É mais grave a deturpação dos fatos do que a sua omissão, como no caso tristemente famoso do relacionamento de Lula com a enfermeira Miriam Cordeiro, com quem teve a filha Lurian.
O filme não aborda o tema, que entrou na história política brasileira devido à campanha de 1989, em que o então adversário Fernando Collor colocou no programa de propaganda eleitoral um depoimento dela acusando Lula de ter querido que ela abortasse.
As explicações para a omissão são várias e desencontradas, uns dizendo que a passagem chegou a ser filmada mas retirada da versão final com receio de que Miriam Cordeiro vetasse o filme, outros dizendo que a história estava no roteiro mas não chegou a ser filmada pelos mesmos motivos.
O fato é que, no livro de Denise Paraná, há até mesmo um depoimento de Maria Ferreira Moreno, um das irmãs de Lula, que desmente a versão de Miriam Cordeiro, afirmando que Lula ficou muito contente quando soube que ela estava grávida e que, embora tenha brigado com a namorada, visitava sempre a filha.
Ao que tudo indica, a relação de Lula com a filha Lurian é muito boa. Ela hoje é secretária de um município dirigido pelo PT de Santa Catarina, e seu marido, Marcelo Sato, está até mesmo sendo acusado pela Polícia Federal de tráfico de influência.
Esse assunto, aliás, parece ter sido superado pelo próprio Lula, que tem o hoje senador Fernando Collor como um de seus principais aliados políticos no Senado. Não havia razão, portanto, para que o filme não abordasse o tema, o que daria oportunidade para se traçar um perfil mais cheio de nuances de um dos principais líderes políticos do mundo, sem exageros.
A decisão de fazer um filme anódino, onde só se realçam as virtudes de Lula desde criança, acabou prejudicando o filme como concepção artística, embora seja um competente produto do ramo do entretenimento e, sobretudo, do marketing político.
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, já chamou um dia Lula de “Nosso Guia”.
A ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata oficial à sucessão de Lula pelo PT, aparece na propaganda política da televisão dizendo que “Lula já nos indicou o caminho”.
O sentido é o mesmo, o do homem providencial que mostra o caminho a seus seguidores, primeiro no sindicato e depois à frente do país.
Com a popularidade nas alturas, é provável que a exibição de “Lula, o filho do Brasil” bata recordes de bilheteria, e sirva para consolidar ainda mais o mito do líder popular, do salvador da pátria.
Mas somente dessa maneira indireta terá influência na sucessão presidencial.
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