quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Planalto recua e altera texto que irritou militares

DEU EM O GLOBO

Para contornar a insatisfação dos militares, o presidente Lula editou novo decreto mudando o texto sobre a Comissão da Verdade. Saem termos como "repressão política" e "apuração de violações". Mas ficam outros pontos polêmicos, que desagradaram à Igreja e aos ruralistas.
Lula tentou minimizar a crise.

Lula cede a pressão e muda plano

AMPLO E POLÊMICO

Presidente edita novo decreto sobre direitos humanos retirando expressões que irritaram militares

Chico de Gois e Luiza Damé

Depois de uma reunião com os ministros da Defesa, Nelson Jobim, e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou ontem um novo decreto para acabar com a polêmica entre seus dois auxiliares e os comandantes militares sobre o decreto que instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos. O governo editou novo decreto estabelecendo regras para o projeto de lei que será elaborado criando a Comissão Nacional da Verdade. E a redação do novo decreto suprime o principal ponto de atrito com os militares.

Na versão de dezembro do decreto, está escrito que a comissão seria criada para "promover a apuração e o esclarecimento público" das violações de direitos humanos praticadas pela "repressão política". Já o novo texto estabelece que a comissão "vai examinar" as violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar.

Ou seja, no decreto assinado ontem por Lula desapareceu a expressão "repressão política" e não se fala em apurar, mas apenas examinar o que ocorreu durante a ditadura. Por enquanto, Lula resolveu manter os outros pontos do decreto anterior do Programa de Direitos Humanos, que prevê a aprovação de 27 novas leis e trata de assuntos polêmicos, como união entre homossexuais e descriminalização do aborto.

À noite, Lula minimizou as críticas ao programa, especialmente da Igreja, e as divergências entre os ministros Jobim, Vannuchi, Reinhold Stephanes (Agricultura) e Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário). Para Lula, a posição da Igreja contra o aborto não impede que a sociedade se manifeste:

- Eu conheço o comportamento da Igreja sobre aborto há muito tempo. Vocês conhecem o meu comportamento sobre aborto há muito tempo. O fato de eu ter posição... Não cabe a mim proibir que a sociedade se manifeste tendo posição contrária. São as posições antagônicas que permitem construir o caminho do meio.

Nelson Jobim se diz satisfeito

Segundo Lula, agora um grupo de trabalho vai formalizar o projeto que será enviado ao Congresso, e a palavra final será dos parlamentares. Ele disse que as divergências entre Jobim e Vannuchi foram resolvidas.

- Não tinha problema. Quem criou o problema... Está resolvido. O problema nem deixou de existir nem era tão grave. As pessoas imaginaram que a República ia cair por causa da divergência - disse Lula, negando que os comandantes militares tenham pedido demissão. - Enquanto eu estava de férias, carregando isopor, vocês escreveram isso.

O texto atende à reivindicação de Jobim, que deixou a reunião dizendo-se satisfeito com o teor do novo documento. Vannuchi saiu sem falar com a imprensa. O grupo de trabalho criado para elaborar o anteprojeto de lei que institui a Comissão Nacional da Verdade terá até abril para apresentar os resultados a Lula. O grupo terá seis pessoas e a presidência será de um funcionário indicado pela Casa Civil.

O texto deixa claro, ainda, que será respeitada a Lei de Anistia. O artigo 5 diz que o anteprojeto estabelecerá que a Comissão da Verdade poderá realizar atividades como "colaborar com todas as instâncias do poder público para a apuração de violações de direitos humanos, observadas as disposições da Lei 6.683/79" (Lei da Anistia).

Jobim disse que a solução agradou:

- Da minha parte, está resolvido.

A presidente da Confederação Nacional da Agricultura, senadora Kátia Abreu, afirmou que as mudanças feitas pelo governo "devem ser recebidas com reserva e atenção". Para ela, discutir a Comissão da Verdade não é suficiente para esgotar as polêmicas: "Todas as outras declarações de intenções contidas no programa permanecem. Foram mantidas ameaças às instituições democráticas, ao estado de direito e à liberdade de expressão".

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