quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O bom do abacaxi::Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Como sabem apreciadores dessa fruta da América do Sul, o abacaxi é difícil de descascar. Vencida essa etapa, pode ser um grande prazer. O ministro Garibaldi Alves admitiu não ter currículo para cuidar da Previdência e ter sido avisado que lá só tem problemas, um "abacaxi". Louve-se sua sinceridade. Outros, sem currículo, fingem de sabidos. Saber que não sabe é um bom primeiro passo.

Jornalistas perguntam a quem sabe. O ministro poderia seguir essa receita inicial simples. Lá no Bom Dia Brasil convidamos ontem um dos especialistas em previdência, Paulo Tafner. Ele vem estudando o tema há anos, e escreveu recentemente, com Fábio Giambiagi, um livro sobre esse dilema que o Brasil se recusa a encarar. Deu alguns dados interessantes.

A Previdência custa ao Brasil R$300 bilhões por ano. Tudo com nossos impostos. Isso é 12% do PIB. E aí, a primeira contradição. Como o Brasil é um país ainda jovem, não faz sentido gastar o mesmo percentual do PIB, ou até mais, que países que têm uma população mais velha. Outra constatação: vamos envelhecer. Isso é bom, já que estamos aumentando a expectativa de vida. Mas temos sido imprevidentes - desculpe o trocadilho óbvio - ao não fazer as reformas incontornáveis que temos pela frente. São todas espinhentas e por isso os políticos vão deixando para depois, sabotando as propostas que o governo envia, ouvindo mais os lobbies.

O ministro deveria olhar o longo prazo. Ministros da Previdência que não descascaram esse abacaxi há muitos na História. O que conseguir levar o país a provar o melhor do abacaxi pode enfeitar seu currículo: a fruta é meio flor, da família das bromélias.

Previdência não é apenas custo. Pode ser poupança, renda, garantia de um futuro de maior estabilidade, gás para investimento. Isso se ficar bem equacionada a questão fiscal e houver incentivo para que as pessoas se preparem para a maturidade.

Hoje, o Brasil é um dos poucos países do mundo sem idade mínima de aposentadoria. Uma insensatez. Países ricos estão elevando a idade mínima, e nós nos damos ao luxo de sequer estabelecer esse limite. Resultado: os brasileiros ainda se aposentam cedo demais. O pior é que o pobre demora mais a se aposentar porque não consegue provar tempo de contribuição. É um direito inversamente proporcional à renda.

O partido do ministro, PMDB, está rebelado e ameaça elevar o salário mínimo. Esse amor súbito aos aposentados eclodiu na briga por cargos em várias áreas. Cada ponto percentual a mais do salário mínimo significa meio ponto a mais no custo da Previdência. É por isso que o assunto não deveria ser forma de barganhar cargos. E por falar nisso: os cargos da Previdência não deveriam ser moeda de troca. Técnicos sem ambições políticas podem ter mais destreza - e objetividade - na tarefa de descascar o abacaxi.

Alguns supostos entendidos de previdência dirão que não existe déficit no sistema brasileiro. Isso é tão verdadeiro quanto dizer que a casca do abacaxi não espeta. Para chegar nesse resultado sem déficit, a proposta que fazem é que se retire da conta os que recebem aposentadoria rural, porque eles não recolheram. Ora, a aposentadoria dos trabalhadores do setor rural é obviamente parte do sistema previdenciário, tenham eles no passado contribuído ou não. Não há mágica: a Previdência tem déficit em torno de R$45 bilhões só no INSS.

O ministro também deveria conversar com o IBGE, nosso excelente instituto de estatística, para conferir os dados do novo censo. Eles surpreenderam porque a queda do número de filhos por mulher foi mais rápida do que o previsto. Menos de dois filhos, em média, o que nem repõe a população. Nisso, a nossa presidente é uma mulher à frente do seu tempo. Teve apenas a Paula. Pois bem, essa é uma tendência irreversível. Em breve, a população brasileira vai parar de crescer.

Haverá menos jovens entrando no mercado de trabalho dentro de vinte anos. Junte-se a isso o fato de que os brasileiros viverão mais e está feita a confusão: menos gente pagando, mais gente recebendo por mais tempo. A conta não fecha, ministro. Pode conversar também com demógrafos da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Ence, do IBGE. Vá também ao Ipea, mas cuidado para falar com as pessoas certas. O instituto já não é o que foi.

Tafner, que é do Ipea, apesar de estar agora trabalhando na secretaria de Fazenda do Rio, tem dados sempre impressionantes. Seu novo estudo com Giambiagi - outro brasileiro devotado à espinhosa causa de descascar esse abacaxi - mostra que para que a conta da previdência fique estável, como proporção do PIB, o país terá de crescer em média 4,7% ao ano por 30 anos. Difícil, ministro. Nos últimos 20, mesmo contando o PIBão do ano passado, foi metade disso.

Uma lasca da casca pode ser tirada com facilidade. O governo Lula aprovou a reforma da previdência do setor público. E não regulamentou. Com isso, o país perdeu oito anos. Quando a reforma for regulamentada, pode ajudar a construir mecanismos de poupança de longo prazo.

Os casamentos intergeracionais - ou seja, pessoa mais velha casando com outra bem mais nova - têm se tornado mais frequentes. Não, não falo de certo casal conhecido. Falo em geral. Esses casos estão elevando os custos previdenciários porque as pensões são pagas por mais tempo. Outros países já desenvolveram soluções para que a conta não acabe nos cofres públicos.

Como integrante de uma família longeva na política, o ministro da Previdência há de saber que só há uma forma de saborear o abacaxi: descascando-o. É isso, ou fingir que não há déficit, distribuir cargos e benefícios para amigos e aliados. Pode dar ganhos de curto prazo ao ministro. Para o país, será mais um passo na marcha da insensatez.

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