Enquanto a taxa nacional média de esclarecimento de homicídios dolosos é de 8%, o país entope penitenciárias de jovens pobres, não violentos
Os primeiros nove meses do governo Dilma, na segurança pública, foram decepcionantes.
A decepção decorre do contraste entre as expectativas suscitadas pelos excelentes nomes escalados para enfrentar o desafio e a postura da presidente, que prefiro descrever a qualificar, por respeito ao cargo e à sua biografia.
O começo foi alvissareiro, com a nomeação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que encheu de esperança até os céticos.
O primeiro ato do novo ministro justificou o otimismo. Foram convidados Regina Mikki e Pedro Abramovay para as secretarias de segurança e de políticas para as drogas.
Escolhas irretocáveis, cujos significados prenunciavam avanços. Some-se a isso uma vitória do ministro ao obter o deslocamento da secretaria responsável pela política sobre drogas para o Ministério da Justiça. Ainda que o ideal fosse inseri-la no Ministério da Saúde, tratava-se de um passo positivo da maior importância.
Na sequência, mais um alento: em entrevista ao "O Globo", Pedro mostrava quão perversa vinha sendo a escalada do encarceramento no Brasil, cujas taxas de crescimento já eram campeãs mundiais: desde 2006, o tipo penal que concentrava o foco das ações repressivas correspondia à prática da comercialização de drogas ilícitas sem armas, sem violência, sem envolvimento com organizações criminosas.
De meados dos anos 90 até hoje, passamos de 140 mil a mais de 500 mil presos. Em termos absolutos, só perdemos para a China e para os Estados Unidos. Era preciso mudar a abordagem do problema.
Por aí ficou Pedro, mas já era suficiente para disseminar o entusiasmo em tantos de nós.
Enquanto a taxa média nacional de esclarecimento de homicídios dolosos é de 8% (92% dos homicidas permanecem impunes, nem sequer são identificados nas investigações policiais), o país entope penitenciárias de jovens pobres, com baixa escolaridade, não violentos, que negociavam drogas no varejo.
Ao condená-los à privação de liberdade em convívio com grupos profissionais e organizados, que futuro estamos preparando para eles e para a sociedade?
Não há uso mais inteligente para os R$ 1.500 mensais gastos com cada jovem preso que não cometeu violência? É preciso impor limites, mas também ampará-los na construção de alternativas.
Veio a primeira frustração: a presidente ordenou ao ministro que desconvidasse Pedro Abramovay. A ordem presidencial caiu como um raio, fulminando a confiança que se consolidava e expandia.
Enquanto isso, o Brasil continua sendo o segundo país do mundo em números absolutos de homicídios dolosos -em torno de 50 mil por ano-, atrás apenas da Rússia.
Para reverter essa realidade dramática, uma equipe qualificada do ministério trabalhou todo o primeiro semestre na elaboração de um plano de articulação nacional para a redução dos homicídios dolosos, valorizando a prevenção mas com ênfase no aprimoramento das investigações.
Um plano consistente e promissor, que não transferia responsabilidades à União, mas a levava a compartilhar responsabilidades práticas. Em meados de julho, chegou a data tão esperada: o encontro com a presidente. O ministro passou-lhe o documento, enquanto o técnico preparava-se para expô-lo.
Rápida e eficaz, tranquila e infalível como Bruce Lee, a presidente antecipou-se: homicídios? Isso é com os Estados. Pôs de lado o documento e ordenou que se passasse ao próximo ponto da pauta.
Luiz Eduardo Soares é antropólogo, autor de "Justiça" (Nova Fronteira, 2011). Foi secretário nacional de Segurança Pública (2003).
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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