Lula se manifestou ontem "indignado" com a revelação de que tentou chantagear um ministro do STF. Indignados e estarrecidos estão todos os brasileiros que tomaram conhecimento da atitude indecorosa do ex-presidente. Até o momento, estão, de um lado, a versão de Lula e de Nelson Jobim e, do outro, a condenação unânime à indecência praticada pelo petista.
Por ora, o sempre loquaz Lula só se manifestou por meio de nota, divulgada ontem à noite pelo instituto que leva seu nome. Ainda não teve coragem de vir a público contrapor, de viva voz, a versão relatada por Gilmar Mendes. Já o ministro não apenas manteve o que contou à revista Veja, como reiterou tudo ontem em entrevista concedida à imprensa em Manaus.
A tentativa de Lula de postergar o julgamento do mensalão para o ano que vem e de chantagear Mendes, oferecendo-lhe "proteção" na CPI do Cachoeira, mereceu repulsa de outros ministros do Supremo, condenação da Ordem dos Advogados do Brasil e críticas da Academia Brasileira de Direito Constitucional.
Não apenas. Também ensejou representação criminal apresentada pelos líderes de PSDB, DEM, PPS e PSOL contra o ex-presidente. A medida baseia-se no entendimento de que há indícios de que, pelo que Mendes revelou, o petista praticou pelo menos três crimes no curso do processo de julgamento do mensalão: corrupção ativa, tráfico de influência e coação.
Tráfico de influência por Lula ter tentado interferir na atuação de um magistrado - Gilmar Mendes, embora ainda tenha ameaçado coagir pelo menos outros três ministros do STF - para favorecer o PT e os réus do mensalão. Corrupção ativa por oferecer vantagem indevida - "proteção" na CPI - para que o ministro fizesse, retardasse ou omitisse um ato de ofício. E coação no curso do processo em razão da tentativa de ameaçar intervir na ação judicial.
A postura de Lula mereceu condenação generalizada. Em editorial, a Folha de S.Paulo classifica o encontro ocorrido em abril de "suspeito" e a tentativa de chantagem a Mendes, de "intolerável". Para Dora Kramer, Lula está "investido no figurino do personagem autorizado a desrespeitar tudo e todos no cumprimento de suas vontades".
Mas a mais veemente condenação à atitude de Lula veio do ministro Celso de Mello, decano do STF. Em entrevista ao site Consultor Jurídico, ele afirmou: "Se ainda fosse presidente da República, esse comportamento seria passível de impeachment por configurar infração político-administrativa, em que um chefe de poder tenta interferir em outro. (...) O episódio revela um comportamento eticamente censurável, politicamente atrevido e juridicamente ilegítimo".
Mello foi ainda mais fundo: "(Trata-se de) Um gesto de desrespeito em relação ao STF. Sem falar no caráter indecoroso, é um comportamento que jamais poderia ser adotado por quem exerceu o mais alto cargo da República. Surpreendente essa tentativa espúria de interferir em assunto que não permite essa abordagem. Não se pode contemporizar com o desconhecimento do sistema constitucional do país nem com o desconhecimento dos limites éticos e jurídicos".
Entretanto, nem as contundentes e incisivas palavras de Celso de Mello, publicadas ainda no domingo, foram capazes de dissuadir o silêncio de Lula. O ex-presidente só veio a se manifestar na noite de ontem, depois que o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, fez uma cobrança pública para que ele falasse sobre o caso.
Fato é que, em tudo, a versão de que Lula tentou chantagear Gilmar Mendes e coagir a mais alta corte judiciária do país é verossímil. Segundo interlocutores ouvidos pelos jornais, ao ex-presidente a única coisa que interessa tratar, neste momento, é implodir a comprovação - e a consequente condenação dos réus - de que seu governo praticou o mais deslavado esquema de corrupção da história recente do país, por meio do mensalão.
Além disso, na CPI há clara orientação do PT para que seus deputados e senadores centrem fogo justamente em Gilmar Mendes, a quem, na fatídica conversa, Lula ofereceu "proteção". "O PT busca dados contra o ministro do STF Gilmar Mendes na CPI que investiga as relações do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com empresas e autoridades", informa hoje o Valor Econômico.
Nos oito anos que passou como presidente da República, Lula sempre contemporizou com malfeitores, jamais puniu acusados de corrupção em seu governo e transformou a leniência no trato com a coisa pública em norma geral. Seu comportamento indigno, intolerável, repulsivo como ex-presidente em relação às instituições é apenas mais um capítulo de uma trajetória que, infelizmente, tem se mostrado deplorável.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela. Carta de Formulação e Mobilização PolíticaTerça-feira, 29 de maio de 2012Nº 476.
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