Com o término do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da primeira das oito etapas do processo do mensalão, já é possível tirarem-se algumas conclusões. Parece certo, por exemplo, que os políticos que sacaram na boca do caixa do Banco Rural ou receberam dinheiro, seja a que título for, das empresas de Marcos Valério serão condenados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ressalvada alguma especificidade da acusação.
Onúcleo financeiro, que começou a ser julgado ontem nas figuras dos diretores do Banco Rural, pela lógica majoritária no julgamento, também não escapará de condenação por lavagem de dinheiro, já que foi aceita pela maioria dos ministros a tese da acusação, assumida pelo relator Joaquim Barbosa, de que o dinheiro depositado no Rural e distribuído por Marcos Valério era produto de desvios de dinheiro público. O banco também teria colaborado com o esquema do publicitário, pois aceitou pôr em seus registros oficiais que o dinheiro fora sacado pela agência SMP&B para pagamento de fornecedores e, paralelamente, pagava a pessoas autorizadas por Valério, registrando em contabilidade extraoficial, que só foi descoberta anos depois devido à quebra de sigilo bancário, os nomes dos sacadores, com suas assinaturas. Eram registros para prestação de contas a Marcos Valério, e não ao Banco Central ou ao Coaf.
Será interessante acompanhar os votos a respeito da "formação de quadrilha", um dos crimes pelos quais os dirigentes do Rural estão sendo acusados. José Roberto Salgado e Kátia Rabello respondem também por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira. Vinicius Samarane e Ayanna Tenório respondem pelos mesmos crimes, menos evasão de divisas.
O relator montou sua peça baseado na conexão entre os diversos itens, e a "formação de quadrilha" é uma acusação que une o núcleo financeiro ao núcleo operacional e ao núcleo político, formado pelo ex-ministro José Dirceu, por José Genoino e Delúbio Soares. Seu voto será no sentido de que os empréstimos dados pelo Rural às agências de Valério e ao PT foram fraudulentos, isto é, serviram para encobrir a distribuição pelo valerioduto de dinheiro desviado dos cofres públicos.
A maioria dos ministros parece ter comprado a tese de que houve "um rematado esquema de desvio de dinheiro público", nas palavras do presidente do STF, Ayres Britto, e o crime de "formação de quadrilha" começará a ser delineado no julgamento do núcleo financeiro do esquema.
Esse mesmo raciocínio será carregado para o julgamento dos demais segmentos da proposta do relator. Dirceu, acusado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelo relator de ser o chefe da quadrilha, passou de um réu sem "atos de ofício" nos autos que o condenassem, como defendiam seus advogados, a incluso entre os que são passíveis de punição pelo conjunto de provas testemunhais e indiciais que estão nos autos.
Ontem, Ayres Britto pôs mais um tijolo na peça acusatória que está sendo erigida pela maioria do STF. Disse que, embora não se possa admitir condenação criminal "apoiada tão somente em depoimento de corréu, até porque sabemos que o corréu não pode ser testemunha, pois não tem o dever de dizer a verdade", adiantou que "nada impede que o julgador lance mão dos depoimentos colhidos para subsidiariamente sustentar condenação penal". Se formos para o caso de Dirceu, a acusação do corréu Roberto Jefferson era descartada por sua defesa como sendo uma peça sem força, justamente pela condição do acusador.
Já se sabe que, ao contrário, seu depoimento será juntado a outros indícios e testemunhas para a avaliação final dos juízes. A diretora do Rural Kátia Rabello, por exemplo, teve encontros com José Dirceu, e há relatos, inclusive de Valério, de que o então ministro sabia do esquema de empréstimos ao PT e era consultado por Genoino e Delúbio antes de tomarem uma decisão. Também o fato de a ex-mulher de Dirceu, Ângela Saragoça, ter conseguido empréstimo no Rural de R$ 200 mil para comprar um apartamento, a pedido de Valério, deve entrar na consideração dos ministros. Para aumentar as coincidências nesse caso, o apartamento antigo de Ângela foi comprado por amigo de Valério.
FONTE: O GLOBO
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