domingo, 23 de junho de 2013

Que país é este tomado por manifestações?

Um dia depois do pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, os protestos continuaram em, pelo menos, 100 cidades brasileiras. Milhares voltaram às ruas de São Paulo e Salvador. Especialistas ouvidos pelo Correio e articulistas do jornal buscam interpretar o que está acontecendo no Brasil desde os últimos dias, e esboçam algumas conclusões: a juventude brasileira não se sente representada pelos partidos políticos; a classe média já percebeu que houve uma estagnação no poder de consumo; é pouco provável que alguma liderança surja dos protestos; existe, sim, uma pauta de reivindicações comuns a todos, que inclui o combate à corrupção e ao mau uso do dinheiro público. Mesmo que a onda de manifestações sofra refluxo, o Brasil mudou e essa transformação vai aparecer nas eleições. Há quem aposte no crescimento do voto nulo

Para onde caminha o gigante desperto?

Um movimento sem líderes, sem partidos, sem foco. Por mais que se tente comparar as cenas que o Brasil tem visto nas últimas semanas com outros momentos da história em que as cidades foram tomadas por protestos, todos têm dificuldade de achar uma explicação teórica ou lógica para o que ocorre agora. Especialistas ouvidos pelo Correio reforçam: não é o momento de ter certezas sobre o futuro, porque a voz das ruas, desta vez, tem muitos tons. Ainda que apostem em um arrefecimento das manifestações em breve, eles concordam que o fato é inédito e deve servir de reflexão, principalmente, para a classe política.

O diretor da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, e o professor de Ética e Filosofia da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano destacam que, apesar de existirem demandas difusas vindas dos manifestantes, a inconformidade com as instituições públicas e a corrupção são o ponto comum de todos os grupos. "O Estado brasileiro, que sempre foi muito repressivo e parasitário, está decepcionando cada vez mais a população. A máquina pública é lenta, enquanto a população tem informação em tempo real e está percebendo o quanto tudo isso incomoda", comenta Romano.

Claudio Abramo ressalta que a rejeição dos manifestantes aos partidos é o maior reflexo de que há uma crise institucional no país. "Não defendo a inexistência de legendas, porque isso não funciona, mas as manifestações estão apontando a falência do sistema eleitoral brasileiro e a absoluta falta de representatividade dos partidos políticos, que parecem divorciados da comunidade que os elege", argumenta.

Roberto Romano concorda: "Os partidos, nos últimos 40 anos, decepcionaram as bases, não se democratizaram, são siglas com donos, que só pensam em ganhar eleição e mandam no Fundo Partidário, nas indicações para cargos, na propaganda, nas alianças, e dão uma banana para os militantes", analisa. "Com essa prática, não incentivam os jovens a participar, expulsam a sociedade e levam o exemplo para os Poderes Legislativo e Executivo que ocupam."

Ao mirarem o futuro, os especialistas frisam que não há espaço para teorias prontas e restritas sobre o momento, que é "um divisor de águas" na história brasileira e não deve ser minimizado. "Os políticos não estão sabendo o que dizer, não têm noção do que está ocorrendo nem resposta, análise ou ação, mas deveriam olhar com muita curiosidade essa mensagem forte das ruas", alerta Abramo. "Os intelectuais e políticos menosprezam a capacidade de pensamento da população, que talvez não saiba ainda se organizar da melhor forma, mas sabe o que está acontecendo. As manifestações são o resultado da modernização da sociedade brasileira, que ainda tem muitos problemas, mas sabe que eles existem e quer mudar isso", completa Romano.

Três perguntas para Claudio Abramo, presidente da Transparência Brasil e Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp

Que rumo as manifestações devem tomar?

Abramo — Acho que a tendência é refluir, porque não se consegue fazer isso sistematicamente, mas não sei em que prazo vai haver essa retração. Também não acho que seja impossível que tudo se repita na Copa do Mundo, porque as pessoas vão continuar querendo dizer que querem saúde e educação em um "nível Fifa", e nas eleições do ano que vem. Não tenho dúvidas de que vai haver um movimento muito poderoso para o voto nulo.

Roberto Romano — Esse movimento pode desaparecer daqui a 15 dias por falta de foco, mas vai trazer lições que pesarão muito nas decisões daqui para a frente. Só que é uma incógnita, devido à heterogeneidade das ações, sem distinção de classe nem comando. São muitas as insatisfações que se acumularam, a população tem observado que o Estado está se tornando um instrumento de corrosão da vida pública e todos estão cansados de apenas assistir.

A ausência de lideranças é positiva ou negativa?

Abramo — Essa voz é uma babel, não existe uma organização para isso, porque há muitas expressões de conformidade com o setor público. Talvez o surgimento de alguma liderança poderia resultar em algo mais palpável, mas acho difícil isso acontecer. Podem surgir lideranças mais localizadas ou reunidas em torno de alguns temas específicos.

Romano — Não é nem uma coisa nem outra, é um sentimento generalizado de antipartidarismo, de que as legendas atuais vêm decepcionando a população. Então, há todos os motivos para essa massa não estar organizada. De qualquer forma, não há jeito de prever que vá caminhar para uma organização. Espero que sim, mas pode ser que as demandas e os grupos se dissolvam.

Daqui a alguns anos, quando olharmos para trás, como descreveremos essas manifestações, que legado elas deixarão?

Abramo — Acho que representará um divisor de águas. Os atos são marcantes e estão mandando uma mensagem muito forte para o mundo político, de que os partidos não são representativos. Há uma crise institucional que deve ser repensada. Não acho que vai mudar já em 2014, mas vai se refletir sobre o assunto.

Romano — É um fenômeno inédito em um momento em que há uma grande circulação de informações e uma paleta de reivindicações que não vem de um grupo só. Comparo à Revolução Russa. O ano de 1917 ficou conhecido como o decisivo, mas 1905 serviu para formar líderes e deixar um aprendizado. Ou seja, o que está ocorrendo agora pode chacoalhar o país para uma mudança futura.

Fonte: Correio Braziliense

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