- Folha de S. Paulo / EBC
"O petróleo é nosso" foi o lema de um grande consenso que embasou o controle estatal do território e dos recursos naturais no Brasil, bem como dos instrumentos de promoção do desenvolvimento econômico nos últimos 60 anos. Para o bem ou para o mal, na ditadura militar ou na democracia, o consenso nacionalista sobrevive ancorado em coisas que nós, brasileiros, identificamos como nossas.
A crise que sacode as joias da Coroa --Petrobras e Eletrobras-- e, surpreendentemente, instala-se em núcleos de excelência como Ipea, IBGE e Embrapa, tem origem para além da política e revela o mal endêmico do patrimonialismo embutido no Estado brasileiro. As coisas nossas estão se tornando "cosa nostra".
A apropriação privada do que é de todos tem, no âmbito do Estado, uma possibilidade de solução política. Podemos investigar, responsabilizar, separar o joio do trigo, sanear as organizações. Mas, e o imenso território da nacionalidade, expropriado do povo pela ganância de poucos, como recuperá-lo?
É difícil dimensionar a tragédia. A organização britânica Global Witness divulgou nesta semana uma lista de 908 ambientalistas assassinados nos últimos dez anos em 35 países. O Brasil é o campeão, com 448 mortes, quase a metade do total. Algumas foram amplamente noticiadas, como a da irmã Dorothy Stang, assassinada em 2005; outras, tratadas com indiferença. Em apenas 1% dos casos os culpados são condenados.
Amanhã é dia de outra tragédia: no 19 de abril, dedicado ao índio --que antes também era "nosso"--, só aqueles que se apropriam de seus territórios e riquezas têm motivos para comemorar. Prossegue, no Congresso Nacional, a tentativa de dificultar as demarcações e facilitar as invasões, com projetos de mudanças nas leis para tornar privado um direito que sempre foi público. Afinal, as terras indígenas pertencem à República, a todos nós, assim como os minérios no subsolo, as águas, as florestas e a biodiversidade.
Para que alguns se tornem "donos da pátria" é necessário tornar aceitável um nacionalismo excludente, etnocêntrico e assentado num sentimento de posse que anula a noção de pertencimento de índios, negros e pobres. O que é entendido como direito natural de uns, pode ser, no máximo, uma concessão que estes fazem aos outros. Esse é o nó central da nacionalidade.
A erradicação desse pernicioso sentimento de posse exigirá tempo e capacidade de autorreconhecimento das parcelas expropriadas da população. Exigirá também um maior senso de responsabilidade com o que é nosso. Felizmente, ainda existem índios, com quem podemos reaprender a ser brasileiros.
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