terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Lava-Jato: acordos de leniência dividem opinião de especialistas

• Alguns veem manobra contra punições; outros, riscos para executivos

Tiago Dantas – O Globo

SÃO PAULO e PORTO ALEGRE - A possibilidade de que empresas investigadas pela Operação Lava-Jato façam acordos de leniência com a Controladoria-Geral da União (CGU) divide a opinião de criminalistas e advogados especialistas em Direito Econômico. Há quem afirme que aderir ao acordo seria uma manobra para evitar a proibição de participar de licitações públicas e de pagar multas altas. Outros advogados acham que as empreiteiras não enxergarão vantagens em fornecer ao governo provas que ajudariam o Ministério Público a manter presos seus sócios, presidentes e diretores.

No fim de semana, entidades que representam auditores de controle externo divulgaram nota na qual argumentam que os acordos de leniência podem evitar punições às companhias envolvidas em escândalos de corrupção na esfera penal e seriam um "instrumento para salvar empresas acusadas de atos ilícitos". A nota foi uma resposta às declarações do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, que havia dito o oposto. Segundo ele, o acordo "não isenta o criminoso" e as provas colhidas podem ser usadas no processo penal.

As regras para o acordo de leniência estão previstas no artigo 16 da Lei 12.846, chamada de Lei Anticorrupção, que foi sancionada em agosto de 2013, mas ainda não foi regulamentada pelo governo federal. Segundo o texto, a empresa que adere ao trato só paga um terço da multa a que seria condenada, e é liberada de duas punições administrativas: a publicação da decisão condenatória e a proibição de receber verbas públicas. Em troca, compromete-se a identificar os envolvidos na infração e a fornecer provas.

Segundo os advogados ouvidos pelo GLOBO, a lei não impede que o MP investigue a atuação dos funcionários das empresas e peça a punição deles na esfera penal. Isso significa que esses empregados serão punidos com base em informações prestadas pelas companhias onde trabalham, o que pode ser um entrave para a aplicação do instrumento, na opinião do criminalista Antônio Ruiz Filho, secretário-geral adjunto da seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP):

- Na minha visão, a Lei Anticorrupção teve uma preocupação grande com a pessoa jurídica, livrando-a de qualquer consequência administrativa, mas seus funcionários ficam expostos. A lei não prevê qualquer desmembramento na área criminal. Então, não impede o MP de tomar as providências que achar necessárias, usando, inclusive, as provas fornecidas pela empresa no acordo.

A advogada Isabel Franco, responsável pela área anticorrupção do escritório Koury Lopes Advogados, lembra que nos Estados Unidos, onde os acordos de leniência estão mais consolidados, os executivos das empresas também são protegidos pela lei, o que aumenta sua eficácia:

- Nos Estados Unidos, a empresa coopera, entrega documentos, mas não é obrigada a admitir o ilícito. Como ela não admite que cometeu crime, não fornece provas contra seus executivos. Mas tem obrigação de treinar os funcionários e assumir boas práticas concorrenciais.

Para o jurista Modesto Carvalhosa, autor de livros sobre a corrupção, o temor das entidades que representam os auditores é que a CGU firme acordos sem dar o devido prosseguimento ao processo da Lei Anticorrupção:

- Tem pessoas falando que estão com medo que o governo faça acordos fracos. Mas não é assim. Não é pagar uma multinha e tchau. A empresa precisa confessar, entregar provas.

Cade já faz acordos de leniência
A previsão de acordos de leniência na Lei Anticorrupção foi inspirada na experiência já realizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ao apurar crimes que afetam a concorrência entre empresas. Como são geridos por outra lei, a 12.529, de 2001, os processos de leniência no Cade cancelam a denúncia criminal em três tipos de delito contra a ordem tributária e na prática de cartel.

O professor Pablo Rodrigo Alflen, coordenador do Núcleo de Estudos de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que a lei "deixa brechas" para que as empresas escapem das penalidades estabelecidas pela legislação:

- É preciso haver uma boa integração entre os órgãos de investigação para que a lei não seja usada contra o interesse público. (Colaborou Flávio Ilha)

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