domingo, 5 de julho de 2015

Nada vai... Pará-los

• O avanço irrefreável da Lava Jato desloca o centro de poder de Brasília para Curitiba, de onde o juiz Sergio Moro lidera uma revolução no combate à corrupção no Brasil.

Thiago Brozatto, Leandro Loyola e Diego Escostoguy - Época

Nas noites dos últimos dias, o juiz federal Sérgio Fernando Moro, da 13a Vara Federal de Curitiba, após botar os filhos para dormir e checar os últimos e-mails do dia, dedicava-se, quando ainda tinha forças, à leitura de uma coletânea de artigos sobre os 20 anos da Operação Mãos Limpas. A megainvestigação logrou o que parecia impossível: expurgar do Estado italiano organizações mafiosas centenárias. Os acertos - e os erros - dos juízes italianos ajudavam Moro a refletir sobre as melhores estratégias para conduzir a Operação Lava Jato. Como fechar os casos ainda em aberto e, ademais, como avançar naqueles que se avizinham rapidamente? Nas mesmas noites, não muito longe da casa do juiz, mas no frio da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, para onde fora transferido, dividindo cela com o doleiro Alberto Youssef, Nestor Cerveró, o ex-diretor internacional da Petrobras condenado a cinco anos de prisão por Moro, tinha ataques de pânico. Pressionado pela família, especialmente pelo filho, Cerveró cedeu. Resolveu coijtar o que sabe, como apostavam Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato. E Cerveró sabe muito.

Cerveró chamou os procuradores e, à revelia de seu advogado, começou a negociar os termos para se tornar o 20" delator da Lava Jato. Segundo políticos, empresários, investigadores e lobistas da Petrobras, somente duas pessoas podem esclarecer, entre outros contratos inexplicáveis na Área Internacional, a infame operação de compra da Refinaria de Pasadena, há quase dez anos. Nela, a Petrobras perdeu cerca de US$ 800 milhões. Uma é o operador Fernando Baiano, ligado ao PMDB e que atuava em parceria com Cerveró. Baiano está preso, Ele, porém, não exibe nenhum sinal de que pode vir a talar. A outra pessoa é o próprio Cerveró,

De acordo com essas fontes, ouvidas por ÉPOCA nos últimos anos e, também, nos últimos dias, Cerveró, se falar o que sabe, sem esconder nenhum fato, pode causar um estrago político devastador, ainda mais considerando-se o acúmulo incessante de provas da Lava Jato nas semanas recentes. Tanto Baiano quanto Cerveró confidenciaram - e não agora a essas fontes que a operação de Pasadena além de outras na Diretoria Internacional beneficiaram o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, parlamentares do PT e até o empresário José Carlos Bumlai, um dos melhores amigos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em miúdos: beneficiaram todos aqueles que o indicaram ao cargo, como já se comprovou que era a prática nas demais diretorias. Bumlai, que freqüentava a intimidade do petista, falava em nome de Lula durante o segundo mandato do petista. E tinha relações estreitas com o grupo Schain, que obteve contratos na Petrobras com a ajuda de Cerveró. Todos os citados sempre negaram qualquer relação imprópria com Cerveró.

Edson Ribeiro, o advogado de Cerveró, chegou a Curitiba na quinta-feira da semana passada, disposto a fazer de tudo para demovê-lo da delação, O advogado disse a Cerveró ter certeza de que os executivos da Odebrecht, também presos na Lava Jato, conseguirão decisões judiciai^ VJ favoráveis no recesso do Judiciário, daqui a alguns dias, seja no Superior Tribunal de Justiça, seja 110 Supremo Tribunal Federal. Se gente como Marcelo Odebrecht sair da cadeia, raciocina o advogado, outros sairão em seguida, como Cerveró. Até a noite da sexta-feira, os argumentos do advogado não foram suficientes para convencer Cerveró. Ele continua negociando os termos da delação com os procuradores. E demonstra uma mágoa especial pela presidente Dilma Rousseff. Sente-se abandonado por ela - que, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, aprovou a compra da refinaria de Pasadena. Em suas defesas entregues às autoridades, Cerveró alega que a responsabilidade pelo investimento em Pasadena é do Conselho de Administração da estatal. Ou seja, de Dilma.

A iminência da delação de Cerveró, decidida nos gabinetes e nas celas de Curitiba, revela como, no Brasil de 2015, o poder sobre os rumos da nação deslocou-se, momentaneamente, para a capital do Paraná. Se levada a cabo, a delação de Cerveró terá impacto em gente do calibre de Lula e Dilma. Por isso, um rastilho silencioso de pólvora - e pânico - acendeu-se até Brasília. Políticos e empresários poderosos ficam à mercê, mais uma vez, como acontece desde outubro, com as delações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, de fatos sobre os quais eles não têm o menor controle - e, muitas vezes, nem sequer compreendem.

Essa mudança, ainda que temporária, nas regras do jogo, no controle da situação, explica parte das falas e ações destemperadas de políticos experientes, como Lula, ou até aqui cautelosos com o verbo, como Dilma. A combinação de crises pela qual passa o Brasil hoje converge, cotidianamente, para Curitiba. Os rumos das principais decisões políticas neste momento definem-se, mesmo com uma economia malparada e um governo anêmico, pelo que acontece na Operação Lava Jato. A sucessão de provas, de delações, as imagens quase semanais de tesoureiros e executivos sendo presos pela polícia sobrepõem-se a qualquer processo político e econômico em Brasília. Por uma razão simples: as decisões de Curitiba põem em risco a sobrevivência dos principais partidos e políticos do Brasil. O mesmo vale para as principais empreiteiras do país.

Nenhum gabinete, portanto, concentra tanto poder neste momento no Brasil quanto aquele no 2° andar na Avenida Anita Garibaldi, 888. É de lá que despacha Sergio Moro, o cérebro e centro moral da Lava Jato. A Operação, na verdade, envolve dezenas de procuradores da República, delegados e agentes da PF, equipes na Procuradoria-Geral da República, em Brasília, além do ministro do Supremo Teori Zavascki. Todos têm poder para definir, em alguma medida, os rumos das centenas - isso, centenas - de casos de corrupção investigados na Lava Jato. Alguns casos tramitam em Brasília - aqueles que envolvem políticos com foro no Supremo. Mas a maioria fica em Curitiba e de lá não sai. Moro alia virtudes raríssimas para a missão: preparo jurídico, pensamento estratégico, inflexibilidade de princípios, coragem moral e disciplina de trabalho. Entra cedo, sai tarde e prossegue na lida mesmo de casa. Alguns dos procuradores da força-tarefa compartilham, em maior ou menor grau, as mesmas características. Estudaram muito, trabalham sem parar e entendem que estão fazendo história.

Após mais de um ano de Lava Jato, já está claro que esses homens e mulheres - pelo tamanho dos presos, pela força das provas, pelos nomes envolvidos e pelo dinheiro recuperado - estão promovendo uma revolução na luta contra a grande corrupção no Brasil. O método, a estratégia e a disciplina para manter o foco nos alvos certos, como Cerveró ou Marcelo Odebrecht, demonstram que essa revolução, cujo acúmulo intenso de fatos desnorteia até o observador mais atento, irá longe. A partir das delações capitais de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, em outubro do ano passado, surgiu a obtenção de mais provas, como extratos bancários de contas em paraísos fiscais e a confissão dos demais envolvidos. O efeito cascata, irrefreável, parece destinado a parar apenas quando todos os envolvidos no petrolão, esse esquema que envolvia empresas inescrupulosas e políticos corruptos, estejam identificados e devidamente processados. É uma réstia de esperança para um povo que precisa, desesperadamente, acreditar novamente em seu sistema político.

Engana-se, porém, quem pensa que Moro ou os procuradores da Lava Jato tenham ganas de pegar Lula ou Dilma. Na visão deles, e que as provas de fato oferecem (até o momento), Lula e Dilma não eram chefes de uma organização criminosa. Não que ambos não tenham responsabilidade pela sustentação política do petrolão - pelo aval, no mínimo, tácito aos resultados de suas decisões fisiológicas, de distribuição irresponsável de cargos na Petrobras. Mas a decisão de distribuir diretorias da estatal não é crime. O petrolão é, pelo que as evidências apontam até o momento, um esquema horizontal, organizado entre empresários corruptores e funcionários públicos corruptos. Entre as duas partes, havia operadores de partidos políticos e doleiros. Todos ganhavam, especialmente os políticos dos partidos (PT, PMDB e PP, sobretudo) que controlavam os cargos. Não havia chefes. Havia apenas cúmplices na roubalheira.

Há muitas novidades, no entanto, a caminho. Nestor Cerveró, o quase certo 20* delator, trará apenas parte delas. A 164 fase da Lava Jato não tarda. E ela será decidida em Curitiba, para desespero do poder em Brasília.

A perplexidade na república
Na segunda-feira, numa rara noite bastante fria em Brasília, em um centro de convenções afastado de tudo, Lula se reuniu com cerca de 50 parlamentares petistas por mais de três horas. Vinte deles se inscreveram para falar. Depois, Lula também talou. Estava surpreendentemente calmo. Falou um pouco sobre a situação difícil do governo e do PT para, em seguida, assumir a função de animador de auditório, a tentar vender a seus comandados a ideia de que é possível sair do atoleiro no qual o governo e o partido estão graças à crise econômica, à Operação Lava Jato e a diversos erros e ffagilidades. "Não tem o que fazer. O procurador (geral da República, Rodrigo Janot) já disse que vai durar mais uns dois anos", disse Lula aos parlamentares.

O Lula que chegou no dia seguinte â casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, também era só paz e amor. Lá, tomou café da manhã com a cúpula do PMDB, formada por Renan, Eunício Oliveira, Romero Jucá e o ex-presidente José Sarney, além do líder do governo, Delcídio Amaral. De bom humor, Lula disse que "um padre" foi o responsável por vazar seu desabafo sobre o PT e o governo. Ninguém entendeu nada."Parecia o Lula do mensalão: estava humilde", diz um dos participantes - em 2005, acossado pelos estragos do mensalão, Lula se escorou em Sarney e no PMDB, que então adentrou seu governo para não mais sair. Ao contrário dos vários encontros ante-riores com os mesmos personagens, no mesmo lugar, pelo menos dois deles ocorridos neste ano, Lula não falou mal de Dilma, nem mesmo de Mercadante. Retomou a veia conciliadora que ficara para trás, para tentar unir os cacos tia relação do PMDB com Dilma. "Renan, eu sei que você tem mágoa de coisas que podem ter sido feitas. Mas as instituições precisam se unir. O Brasil não pode ficar assim", disse. Renan, todos sabem, atribui ao governo o fato de ter sido incluído no rol dos investigados pela Operação Lava Jato - na verdade, sua mágoa é pelo feto de Dilma não ter segurado seu afilhado Sérgio Machado na presidência da Transpetro.

Todos na casa de Renan estavam incomodados com a Operação Lava Jato. "Não é possível que as instituições estejam tão fracas, a ponto de o Supremo ter uma decisão alterada por um juiz de primeira instância", disse um dos presentes, em referência ao Juiz Sergio Moro. O ex--presidente José Sarney lembrou o exemplo da Suprema Corte americana na eleição de 2000: o então vice-presidente Al Gore venceu a eleição contra George W. Bush na recontagem dos votos, mas, a partir do momento em que a Suprema Corte decidiu em favor de Bush, Gore e seus aliados nada fizeram. O pessoal da reunião acha que Moro e a Lava Jato precisam de um breque desse tipo do Supremo. Lula foi cobrado por isso, dada sua influência de ter nomeado ministros do Supremo. Mas até ele se mostrou surpreso — deu a entender que não espera mais deter a Lava Jato. "O José Rainha (líder de uma parte do Movimento Sem-Terra) foi condenado a 31 anos e não vai para a cadeia", disse Lula. "Como pode os caras que nem foram condenados estarem presos?" Os "caras" que preocupam Lula são os empreiteiros. Em especial, Leo Pinheiro, da OAS, já solto, e Marcelo Odebrecht, ainda na cadeia, seus mais próximos parceiros. Há anos, quem importa no poder e na economia no Brasil sabe que Lula trabalhava para as empreiteiras, em especial para a Odebrecht. Como ÉPOCA demonstrou há um mês, Lula fez lobby pelas empreiteiras em países da América Central e da África, para que obtivessem obras em boa parte financiadas com recursos do BNDES. As mesmas empreiteiras que, hoje, estão no chão devido ao escândalo que sangrou bilhões da Petrobras e distribuiu para o PT, o PP e o PMDB. No momento, Lula está fragilizado. A Lava Jato prendeu seus amigos empreiteiros por causa desse esquema, aqueles amigos que podem fazer revelações incômodas. O executivo Leo Pinheiro não é uma preocupação, mas Marcelo Odebrecht é considerado mais instável. Para piorar, nos últimos meses Lula percebeu que Dilma não se esforça para evitar que os efeitos da Lava Jato atinjam a ele e a seus oito anos de governo. Lula precisa se salvar. A saída é tentar reagrupar o PT a seu redor-exatamente o oposto do que havia feito no desabafo no encontro com os religiosos.

Com água nos calcanhares, Lula enxerga em Dirceu, este com água no nariz, um desfecho possível. Ao longo da semana, o nome do ex-ministro José Dirceu liderava a bolsa de apostas dos novos presos da Lava Jato. O falatório foi decorrente de duas delações que deixaram o petista numa sinuca: a de Ricardo Pessoa, da UTC, e a de Milton Pascowitch, operador da Engevix. Ambos relataram que os pagamentos para Dirceu não tinham uma contraprestação de serviços - e que ele recebeu dinheiro inclusive quando estava preso. A iminente prisão do ex-ministro mensaleiro foi tão grande que seu advogado, Roberto Podval, entrou com um pedido de habeas corpus preventivo, com o objetivo de evitar que Dirceu pudesse voltar ao regime fechado. O pedido foi negado. Além disso, a defesa do ex-ministro começou a se mobilizar para levantar provas no Peru de que suas consultorias de fato existiram - e não foram de fachadas. Segundo pessoas próximas de Dirceu, boa parte do dinheiro recebido por meio de sua empresa JD Assessoria e Consultoria era usada para fretar jatinhos particulares para fazer viagens pelo Brasil, já que ele evitava pegar voos comerciais, pois tem receio de ser vaiado, e para pagar hospedagens em hotéis luxuosos onde costumava passar alguns dias ao lado de sua namorada.

Nesse cenário, Lula percebeu que o discurso de raiva contra seu PT e o governo de Dilma causou-lhe um efeito ruim. Boa parte dos petistas não abaixou a cabeça em obediência, como sempre fazia. No momento em que o governo vai mal, Lula sabe que pode carregar a culpa pelo fracasso do governo Dilma. Para Dilma, que não deve ser candidata a mais nada, o fracasso pode ser apenas uma derrota pessoal Mas, para Lula, pode matar seu projeto de um novo período na Presidência. Ele tem muito mais a perder do que ela. Com seus amigos empreiteiros na cadeia, paira sobre Lula o medo de ver uma mera menção a seu nome em algum depoimento. Lula precisa de apoio. Reatar com o PT para se salvar é uma parte da saída. A outra parte começa com a conversa com o PMDB. Os líderes do PMDB são saudosos de Lula. Sempre lembram que ele lhes prometeu, em dois encontros em 2014, um deles no hotel Blue Tree, em Brasília, e outro no hotel Meliá, em São Paulo, que seria candidato a presidente no lugar de Dilma. Depois voltou atrás.

A intenção de Lula é combater os efeitos negativos da Lava Jato em sua imagem, na do governo e do PT com o que ele sabe fazer melhor: discursos e propaganda. Não por acaso, Lula esteve com o marqueteiro-mor do PT, João Santana, antes da reunião com os parlamentares, em Brasília. À noite, Lula estabeleceu que os petistas devem aproveitar programas do governo para fazer "agendas positivas1". Entre os programas estão o Plano Nacional de Educação, o Plano Safra, o plano de concessões, o plano de assentar famílias da reforma agrária. Lula quer que os parlamentares organizem eventos em seus Estados para discutir principalmente o Plano Nacional de Educação e a renovação do PT, pretextos para ele viajar pelo país e fazer discurso, uma pré-campanha eleitoral Lula também quer que os parlamentares petistas partam para o "enfrentamento" com a oposição. "Com a mesma agressividade que a oposição ataca o governo, afirma o líder do PT na Câmara, José Guimarães. Lula está preocupado com a possibilidade de uma derrota fagorosa do PT na eleição municipal de 2016. É preciso começar a trabalhar para limpar um pouco a barra do PT para, pelo menos, reduzir o prejuízo que hoje os petistas acreditam que será grande. Está muito longe, mas é óbvio que Lula já pensa também em 2018. Apenas quem não entendeu o poder de Curitiba pode pensar em 2018. No gabinete do juiz Moro, só se pensa em 2015. ?

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