- O Globo
O Brasil foi rebaixado mais uma vez pela Standard &Poor’s, num dia que havia começado bem, com o dólar em queda. Conviveremos com a instabilidade porque este é o tempo em que as dificuldades se somam. O rebaixamento de ontem não terá o mesmo impacto do primeiro, mas é um novo ponto negativo numa conjuntura cada vez mais complexa.
A decisão anunciada pela S& P pegou o governo de surpresa. A convicção de integrantes da equipe econômica é que o país está, sim, com problemas, mas se tornando menos vulnerável em alguns pontos. Um alto funcionário lista os pontos: já foi feita uma correção de preços importante; o déficit em conta- corrente de US$ 100 bilhões caiu para pouco mais de US$ 50 bilhões; e, apesar dos rebaixamentos, o Brasil atraiu, no ano passado, mais de US$ 70 bilhões de Investimento Estrangeiro Direto (IED).
Isso tudo é verdade, mas o problema que piora a situação brasileira é que ninguém acredita na política fiscal e poucos analistas confiam que a equipe econômica será capaz de entregar um resultado suficiente para começar a reverter a situação. Então o número atual é ruim, e o projetado para frente fica ainda pior. A dinâmica do crescimento da dívida e do déficit assusta. É por isso que a Standard & Poor’s tem feito movimentos fortes, como o de ontem, em que rebaixou em dois degraus o rating da dívida brasileira em reais e colocou o risco- país a dois níveis abaixo da linha do grau de investimento. Além disso, o PIB continua caindo. O Banco Central ainda não refez a previsão do PIB deste ano e vai esperar sair o dado oficial de 2015, mas o novo número deve ser de uma queda maior do que 3%.
Outra preocupação da agência é o risco fiscal das estatais. Segundo a S& P, somente a dívida da Petrobras alcança 7% do PIB brasileiro, e caso a petrolífera tenha problemas de solvência muito provavelmente o governo terá que fazer um aporte na companhia. A paralisia política continua um entrave para as reformas, não só as fiscais, mas todas as que possam aumentar a capacidade de recuperação da economia.
No governo, há expectativa de que a situação possa melhorar em algumas áreas nos próximos meses. Uma dessas áreas seria a inflação, que teria queda no acumulado de 12 meses a partir de fevereiro e durante todo o primeiro semestre. Ainda ficará muito alta, mas seria uma desinflação.
O mercado olha para a frente e projeta inflação acima do centro da meta até 2019. Em meados do ano passado, as previsões eram bem mais benignas, mas a partir da dissolução da confiança no desempenho fiscal todos os cálculos de inflação para 2017, 2018 e 2019 aumentaram. Essa queda da confiança aconteceu com as revisões das metas de resultado primário e, principalmente, após o Orçamento enviado com déficit ao Congresso. Esse foi o momento em que o governo deu o sinal mais forte de que não tinha controle das contas nem compromisso de voltar a ter. A deterioração foi imediata. O Brasil sofreu o primeiro rebaixamento, e o dólar subiu. A disparada do dólar afetou fortemente a inflação.
O mundo, que até recentemente estava jogando a favor, passou a ser mais um fator de complicação. A economia americana estava crescendo perto de 3% e em poucas semanas isso foi revisto para o patamar de 2% e ainda assim há dúvidas. E os EUA são ainda o grande motor do crescimento mundial. A China enfrenta várias dúvidas desde o ano passado. Mais recentemente, elevou- se o temor em relação à saúde dos bancos europeus. Entre outras razões, isso deriva do fato de que a partir de primeiro de janeiro entrou em vigor nova regulação no mercado financeiro europeu, estabelecendo limites para a atuação do Estado para conter as fragilidades do sistema financeiro. Tudo isso contém a tendência de valorização forte do dólar, o que pode aliviar a pressão da desvalorização do real. Esse efeito positivo, contudo, é menor do que o mal que pode fazer a uma economia fragilizada o aumento da instabilidade internacional.
Em nota, após o rebaixamento, o Ministério da Fazenda diz que é preciso destacar “avanços”, e dá como exemplo “o ajuste de R$ 134 bilhões do ano passado”. A verdade é que, no ano passado, o país teve um o pior déficit primário da história, R$ 111 bilhões. Faz sentido a Fazenda usar um argumento desses? Em algum momento, a ficha terá que cair.
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