- O Estado de S. Paulo
A chegada de Michel Temer à Presidência, ainda interinamente, faz emergir com força avassaladora duas realidades brasileiras: Dilma Rousseff deixou um rombo de R$ 170 bilhões que nenhum santo vai cobrir do dia para a noite e Eduardo Cunha domina um Congresso e um sistema político que nenhum demônio imaginaria mais infernais.
Temer lida bem com a economia, depois de alçar Henrique Meirelles à liderança de uma equipe onde brilham alguns dos melhores nomes disponíveis no mercado. Mas tem, curiosamente, lidado mal com a política, com o réu Cunha nomeando réus como bem entende e com as idas e vindas em questões administrativas virando rotina. Temer é um peixe dentro d’água na política, mas nem ele escapa da rede do sistema.
Poucas vezes se viu tal consenso como no anúncio de Pedro Parente para a Petrobrás. Mas, na área política, a coisa não anda nada bem. Os deslizes de retórica de novos ministros, que falam verdades que não podem ser ditas, são apenas o caricato. O pior é constatar que um homem como Eduardo Cunha, afastado da presidência da Câmara e do próprio mandato, ainda manda e desmanda, e não só em um, mas em dois Poderes. Se Parente é o troféu dos acertos, Cunha é o troféu dos erros do governo interino.
Cunha nega, mas até o tapete verde da Câmara saber que foi ele quem impôs para a liderança do governo o deputado André Moura (PSC-SE), réu não em uma, mas em três ações penais no Supremo Tribunal Federal e investigado em quatro outros inquéritos, um deles por... tentativa de homicídio! Sem falar que já foi condenado em Sergipe por improbidade administrativa.
O líder do governo é responsável pela comunicação entre o Planalto e a Câmara, mas, além disso, Cunha tem o dedo na indicação do chefe de gabinete da Secretaria de Governo da Presidência, que é quem atende aos pedidos dos parlamentares, e na escolha de um cargo-chave da Casa Civil, por onde passam os atos do governo. Sinal de que poderá ter algum tipo de controle, no mínimo informações privilegiadas, sobre o fluxo de conversas, pleitos e interesses entre dois lados da Praça dos Três Poderes. E se ele quiser encaixar um caco daqui e dali?
Com Cunha tão forte, André Moura na liderança e o indescritível Valdir Maranhão na presidência interina da Câmara, eis que Temer tem o pior dos mundos no Congresso e sem alívio a partir do “túnel do tempo”, onde Renan Calheiros não é da turma dele, muito menos confiável. Isso tudo diante de um processo de impeachment que está longe de terminar e de votações dificílimas para tentar ajustar as contas públicas – o que nunca é apetitoso para políticos e costuma custar muito caro.
A isso, some-se... o que dizer? Some-se o constrangimento de ter um ministro do Planejamento, Romero Jucá, sob duas frentes poderosas. Numa, o Supremo autorizou a quebra de sigilo bancário e fiscal. Noutra, a Procuradoria-Geral da República pediu a abertura de investigação contra ele e três outros correligionários de Temer pelo rumoroso caso de Belo Monte. Confortável não é.
Há muitas diferenças entre Eduardo Cunha e Jucá. Cunha tem o único objetivo de trabalhar em benefício próprio, enquanto Jucá quer mostrar competência, fazer a ponte entre os planos de Meirelles e os votos no Congresso e sair dessa confirmando o perfil de bom economista. A opinião pública, porém, embola tudo no mesmo saco. E a Justiça, como se sabe, é cega. Ainda bem.
Nesse bolo todo, o fato é que o Brasil tem um déficit de R$ 170 bilhões e é preciso energia, suor, competência e confluência das forças políticas e econômicas para ir fechando o rombo e aplainar o caminho da recuperação. Temer tem de usar todo o seu instrumental político para tentar equilibrar o êxito nas escolhas da economia com o desastre de certas escolhas políticas. E o tempo corre contra ele.
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