O Globo
Temer talvez não tenha entendido ainda, ou não possa entender por circunstâncias de sua vida política passada, que a principal tarefa à frente do país nos próximos anos não é restabelecer as bases de economia minimamente organizada, mas é, sobretudo, restabelecer a confiança da sociedade no governo. Sem essa credibilidade, não há medida econômica que dê certo, nem haverá facilidades para aprovar medidas impopulares, mas necessárias, no Congresso.
Ele já deu muitos passos em falso na formação de seu Ministério, entre eles nomear políticos que estão sob a mira de investigações. Alguns, consertou a tempo, mas o que incomoda é que muitos se referem ao modo de tratar a Lava-Jato. Quando escolheu o advogado Antonio Mariz para ministro da Justiça, sabia, até mesmo porque Mariz assinou manifesto contra as delações premiadas, e por ser seu amigo, que ele tinha críticas à atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e do próprio Sérgio Moro.
Tê-lo escolhido já era sinal contrário ao que queria a sociedade. O recuo não apagou a sensação de que algo estava errado. A substituição do chefe da PF, Leandro Daiello, chegou a ser cogitada; houve até listas de candidatos. A repercussão foi péssima, e o novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, garantiu a permanência de Daiello à frente das investigações.
Mais adiante, Moraes sugeriu que Temer poderia não escolher o 1º da lista tríplice na definição do procurador-geral da República. Foi desmentido, mas ficou no ar tentativa de incluir na escolha do chefe do MP critérios que não sigam tradição republicana.
Agora, surge a gravação do ex-ministro Romero Jucá com o ex-senador Sérgio Machado, revelando desejo de organizar grande concertação para delimitar a LavaJato e “parar essa sangria”. Como PT e PMDB são os grandes cúmplices na partilha da corrupção na Petrobras, sempre houve desconfiança de que, chegando ao governo, o PMDB tentasse controlar as investigações.
Foi do que o PT acusou o antigo cúmplice. E agora, com a revelação do diálogo entre dois peemedebista de escol — Sérgio Machado foi o homem de Renan Calheiros na Transpetro durante uma dezena de anos —, vem o PT a público reafirmar que o “golpe” está revelado, o impeachment só serviu de pretexto para paralisar a Lava-Jato.
Parece que todos os envolvidos querem “delimitar” as investigações. Foram achados em diversos computadores de empresários presos indícios de tentativa de desacreditar a Lava-Jato. Os petistas fingem esquecer que há conversas gravadas com autorização judicial em que Lula critica a tentativa da PF de buscar “autonomia” e diz que os procuradores acham que “são enviados de Deus”.
Em conversa com o senador Lindbergh Farias, Lula diz: “O problema é que temos que nos fazer respeitar. Um delegado não pode desrespeitar um político, um senador ou um deputado! Sabe? Não tem sentido! Um cara do Ministério Público tem que respeitar! Todo mundo quer autonomia”.
Com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, Lula diz que “esses meninos da PF e esses meninos do MP […] se sentem enviados de Deus”, o que classifica de “uma coisa absurda”. Lula se diz, na conversa, “a chance que este país tem de brigar com eles pra tentar colocá-los no seu devido lugar. Ou seja, nós criamos instituições sérias, mas tem que ter limites, tem que ter regras”.
A exemplo de Jucá, Lula também queria delimitar o trabalho de MP e PF. E, por fim, mas não menos importante, Dilma está sendo investigada por obstrução da Justiça, de acordo com a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral.
Dilma pediu que seu então líder no Senado tivesse uma conversa com o candidato a ministro do Superior Tribunal de Justiça Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para que ele se comprometesse a soltar alguns presos da Lava-Jato ligados a Odebrecht e Andrade Gutierrez, entre eles Marcelo Odebrecht.
Em julgamentos de habeas corpus na 5ª Turma do STJ, onde Navarro foi relator dos processos da Lava Jato, ele votou pela liberdade em 5 casos, e foi derrotado.
Como se vê, só a sociedade quer o sucesso da Lava-Jato, pois vê nela a saída para a reorganização do esquema político-partidário que comanda este presidencialismo de coalizão que se arruinou.
Se Temer não entender isso, ou não tiver condições políticas de entender, vai ser tragado pelos acontecimentos, o que não quer dizer que o grupo político afastado do poder possa ser absolvido.
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