Defesa do ex-presidente eleva tom contra procuradores da Operação Lava-Jato e pede à PGR apuração sobre conduta
Eduardo Bresciani / Renata Mariz / Tiago Dantas | O Globo
BRASÍLIA E SÃO PAULO - A colaboração de pessoas que privavam da intimidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou a Operação Lava-Jato a fechar o cerco contra ele. Nas últimas duas semanas, os depoimentos em vídeo de Emílio Odebrecht e Léo Pinheiro (OAS), dois empresários muito próximos a Lula, agravaram as denúncias contra o petista, e o marqueteiro João Santana, responsável por sua imagem pública desde o escândalo do mensalão, também fechou acordo de delação premiada. A situação pode piorar se o ex-ministro Antonio Palocci confirmar o aceno que fez ao juiz Sérgio Moro, colocando-se à disposição para colaborar e dar “mais um ano de trabalho” para os investigadores.
Após mais de três anos de Lava-Jato, Lula já é réu em cinco ações penais, e a nova leva de delações que o envolve agrava sua situação porque esses delatores fecham algumas pontas soltas de histórias sob apuração. Depois desses depoimentos, a defesa do ex-presidente subiu o tom, estendendo o enfrentamento aos demais procuradores e reforçando as baterias junto a outras instâncias.
O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente Lula, afirmou ao GLOBO que tem a impressão de que, na Lava-Jato, advogados de delatores são tratados de forma diferente dos demais defensores. Numa reação ao tratamento, ele encaminhou à Procuradoria-Geral da República (PGR), na última quarta-feira, um pedido de apuração sobre a conduta dos procuradores, que teriam condicionado a assinatura do acordo de delação do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro a alguma informação que incriminasse Lula. Até agora, o recurso ainda não foi julgado.
— É papel do advogado defender com altivez e independência a legalidade dos atos realizados durante o processo e promover a defesa dos direitos de seus clientes. Na 13ª Vara Criminal de Curitiba, criou-se uma diferenciação entre advogados de defesa e advogados de delatores. Parece que só estes últimos merecem respeito ao trabalho que realizam — disse Zanin.
Os advogados de Lula já esperavam que, em algum momento, Léo Pinheiro incriminaria o ex-presidente no caso do tríplex. Em junho do ano passado, a defesa também pediu à PGR que investigasse a informação publicada pela imprensa de que as negociações da delação do executivo haviam empacado porque ele não estaria ligando Lula a crimes.
Lula nega ser o dono do tríplex desde que O GLOBO revelou em 2014 que sua mulher, Marisa Letícia, coordenou uma reforma no local. Pinheiro, que gozava da intimidade do ex-presidente e participava de happy hours no Instituto Lula, disse que a empreiteira que presidia, a OAS, só entrou na obra do condomínio Solaris porque a unidade pertencia ao ex-presidente. Ele relatou em depoimento ao juiz Sérgio Moro, na quinta-feira passada, que fez adequações para atender ao gosto do petista e de sua mulher e que, como o preço da obra subiu muito, procurou o então tesoureiro do PT João Vaccari para lhe perguntar se podia abater os gastos da conta de propina que tinha com o partido — o que acabou sendo autorizado.
Pinheiro relatou ainda que o ex-presidente lhe perguntou logo após o início da Lava-Jato como ele fazia os repasses ao PT. Ao informar que os pagamentos eram por meio de Vaccari, Lula questionou se havia algum registro e pediu que destruísse eventual prova. Outro relato feito por ele trata de obras do sítio de Atibaia (SP), que não está em nome de Lula, mas que ele teria frequentado com assiduidade. Pinheiro relatou que problemas em uma barragem e dois lagos da propriedade teriam sido solucionados por um engenheiro de sua construtora.
Emilio Odebrecht, porém, trata Lula como dono do sítio. Ele narrou aos investigadores que não só financiou a etapa final das obras como falou sobre o assunto com o então presidente em 2010. Segundo Emílio, o pedido para concluir as melhorias na propriedade foi feito por Marisa a Alexandrino Alencar, ex-executivo da empreiteira próximo à família Lula. A Odebrecht assumiu as obras, desembolsando cerca de R$ 700 mil. O empresário afirma que conversou sobre o sítio nos últimos dias de mandato dele. Lula, segundo Emílio, não esboçou qualquer reação a respeito:
— Eu disse: ‘Olhe, chefe, você vai ter uma surpresa. Nós vamos garantir o prazo que nós tínhamos dado naquele programa lá do sítio’. Ele não fez nenhum comentário, mas também não botou nenhuma surpresa, coisa que eu entendi não ser mais surpresa — explicou Emílio, que também abordou uma suposta interferência de Lula em um financiamento do BNDES para uma obra da Odebrecht em Angola, em troca de propina.
O marqueteiro João Santana é outro que tinha uma estreita relação com o ex-presidente, construída a partir de 2005 quando foi chamado para ajudar a enfrentar o escândalo do mensalão. O publicitário e Lula se mantiveram próximos mesmo depois que ele deixou a Presidência. Responsável pela campanha que reelegeu o petista em 2006, Santana admitiu ter recebido por caixa dois. Os pagamentos teriam sido realizados pela Odebrecht e intermediados por Palocci.
A sinalização dada por Palocci no depoimento a Moro pode ajudar a completar algumas dessas histórias. A proximidade entre Lula e Palocci se ampliou em 2002, quando ele assumiu a coordenação do programa de governo e também da equipe de transição. Desde então, foi figura proeminente na legenda e participava de reuniões privadas com Lula, mesmo depois de ter sido demitido duas vezes de cargos de ministros por suspeitas de envolvimento em atos ilícitos. Palocci sempre foi o elo mais visível do PT com o mundo empresarial e financeiro.
Segundo delações, Palocci cuidou das finanças de caixa dois do partido até 2012. Para Moro, ele disse ter condições de dar informações detalhadas sobre “operações”, mas deixou apenas nas entrelinhas ao que se referia.
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