Viagem marcará alinhamento ideológico a governo Trump
Patrícia Campos Mello, Marina Dias / Folha de S. Paulo
SÃO PAULO E WASHINGTON - A visita do presidente Jair Bolsonaro aos EUA nesta semana concretiza o alinhamento ideológico do governo brasileiro ao de Donald Trump, mas deve terminar com poucos resultados práticos.
Bolsonaro corre o risco de sair de Washington, onde desembarca neste domingo (17), sem seu maior trunfo na política externa: o apoio formal dos EUA para a candidatura do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Acordos comerciais concretos, como o de livre-comércio e o fim da bitributação, além da inclusão do Brasil no programa de isenção de vistos para entrar nos EUA, também não devem resultar do encontro entre Bolsonaro e Trump, marcado para a terça-feira (19), na Casa Branca.
O Brasil, por sua vez, vai liberar da necessidade de visto os americanos que querem entrar no país, mesmo sem ter o mesmo gesto em troca.
O chanceler Ernesto Araújo quer conversar sobre o tema com autoridades dos EUA, mas não demonstra otimismo para um acordo rápido —12,73% dos brasileiros tiveram seu pedido de visto para o país negado em 2018.
A entrada na OCDE, o clube dos países ricos, é reivindicada pelo Planalto desde 2017 e serviria como reforço das credenciais reformistas do governo Bolsonaro. As negociações, porém, encontram resistência no governo dos EUA.
Enquanto o secretário de Estado, Mike Pompeo, é favorável ao pleito do Brasil —ensaiou escrever uma carta a Trump pedindo seu apoio ao ingresso brasileiro—, o USTR, Escritório do Representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer, advoga contra.
Segundo pessoas que participam das tratativas, o USTR avalia que o Brasil não é comercialmente confiável, e parte do governo americano se posiciona com cautela quando o tema é ampliar a OCDE, hoje com 35 países.
Existe ainda pressão de setores empresariais, como a indústria farmacêutica, para que o Brasil faça algumas reformas antes de ser admitido.
Dentro do governo brasileiro, a aposta passou a ser em Bolsonaro pedir o apoio diretamente a Trump.
A avaliação é que o americano é impulsivo e pode acabar fazendo o gesto a despeito da resistência de seus assessores.
Foi isso que ocorreu com a Argentina. Em abril de 2017, o presidente Mauricio Macri se reuniu com Trump e fez o pedido ao líder americano.
Ao lado de assessores contrários à ideia, Trump simplesmente declarou que iria apoiar a admissão do país.
A diferença desta vez é que, ao contrário de Macri, o brasileiro não fala inglês e deve contar com intérpretes, o que prejudica a conversa.
Auxiliares de Trump lembram ainda que o americano não tem fama de ser paciente e pode, inclusive, querer encurtar o encontro caso ele não se desenrole tão bem.
Outro assunto que será abordado na reunião, porém sem grandes avanços efetivos, é a crise na Venezuela, tema de verdadeiro interesse de Trump na América do Sul.
O americano pode sondar Bolsonaro para apoiar uma intervenção no país, mas a ala militar do Planalto garante que não mudará de posição quanto a se ater à ajuda humanitária na fronteira —porém, pode anunciar sanções aos venezuelanos.
Um dos poucos acordos concretos deve ser o de salvaguardas tecnológicas, que permitirá o uso comercial da base de Alcântara (MA). Com ele, o Brasil poderá faturar até US$ 10 bilhões ao ano, segundo Ministério da Defesa, alugando o local para lançamentos de satélites.
No entanto, após assinado, o acordo ainda precisa ser aprovado pelo Congresso. Da última vez que foi assinado com os EUA, em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o texto foi barrado pelos parlamentares, inclusive pelo então deputado Jair Bolsonaro.
A linguagem do novo tratado foi modificada para tentar atenuar a ingerência dos EUA e aumentar a probabilidade de aprovação.
Além disso, serão fechadas parcerias na área de segurança, inteligência, militar e aeroespacial — uma delas é um acordo entre o Inpe, Ita e Nasa para construir um satélite. O Brasil também deve deve reduzir as tarifas de importação do trigo dos EUA.
Como antecipou a Folha, os EUA ainda devem anunciar, durante a visita, que o Brasil passará a ter o status de “major non-NATO ally” —aliado prioritário extra-Otan.
A designação cabe a países não membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que são aliados estratégicos militares dos EUA. Assim, o Brasil passa a ter acesso a vários tipos de cooperação militar e tecnologica.
A influência chinesa na América Latina, uma grande preocupação de Washington, também estará deve entrar na pauta. Os EUA vêm pressionando aliados a vetarem a compra de equipamentos da gigante de telecomunicações Huawei, acusando a empresa de espionar para Pequim.
Havia frustração entre empresários com a falta de anúncios concretos na agenda comercial, como mostrou a Folha.
Para tentar entregar algo, o grupo de entidades empresariais circulou um relatório na Casa Branca e no USTR com sugestões de medidas que poderiam ser fechadas sem aprovação do Congresso —algumas de convergência regulatória, eliminação de barreiras técnicas e combate a corrupção no setor privado.
A agenda de Bolsonaro nos EUA também vai acenar à sua base eleitoral: ele vai participar de um jantar conservadores, dará entrevistas à imprensa evangélica e se reunirá com investidores e empresários.
O presidente chega a Washington com uma comitiva de seis ministros, entre eles Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça), Augusto Heleno (GSI), além do chanceler.
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