sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Pedro Doria: Russos ameaçam as eleições

O Globo / O Estado de S. Paulo

O ministro que assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, Edson Fachin, afirma que já há tentativa de interferência russa no processo eleitoral brasileiro. De Moscou, o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, se incomodou. Mas, quando ele se pôs no caminho para a viagem, não faltou quem temesse justamente isto: que Bolsonaro tivesse, entre as metas não ditas, encomendar ajuda dos hackers a serviço do Kremlin. O histórico de interferência comprovada é imenso.

A primeira vez em que a Rússia de Vladimir Putin se intrometeu em campanhas eleitorais no Ocidente foi em 2014, no referendo escocês que, por 55% a 45%, definiu que o país seguiria como parte do Reino Unido. Os detalhes do que ocorreu não são conhecidos — há suspeitas de que houve financiamento de grupos políticos, assim como uma extensa campanha de desinformação on-line. O governo britânico reconhece oficialmente ter informação. Mas divulgou muito pouco.

Em 2020, um comitê do Parlamento britânico publicou um relatório sobre as atividades russas em pleitos na ilha. Foi uma desancada no governo do premiê Boris Johnson. É que também há comprovação de que agentes de Putin operaram pesado no plebiscito de 2016 que decidiu em favor do Brexit, a saída do Reino da União Europeia. O resultado foi ainda mais apertado — 52% a 48%. Só que, diferentemente do que havia ocorrido no caso escocês, o governo decidiu não investigar. O Partido Conservador, o relatório sugere, teme descobrir que a desinformação bancada por interesses de um país estrangeiro é o que deu ao grupo no poder sua vitória.

A Rússia interfere por inúmeros motivos, todos têm a ver com seus próprios interesses. Não interessa ao governo Putin ter uma democracia eslava na Ucrânia. Em grande parte, seu argumento para o público interno é que democracias são regimes fracos, que mal se adéquam a certas culturas — como a eslava. Nos últimos dez anos, o sistema bancário ucraniano foi atacado, assim como sua infraestrutura energética e todas as eleições. Há movimentos políticos pagos por Moscou, imprensa financiada pelo Kremlin e até movimentos “independentistas” armados. Para não falar de assassinatos. A Ucrânia tenta faz décadas estabilizar sua democracia. Faz isso carregando um peso imenso de que não consegue se livrar.

Putin atua, também, na divisão para enfraquecer seus adversários. A Escócia fora do Reino Unido lhe interessa. O Reino Unido fora da União Europeia lhe interessa. Uma França em confusão política lhe interessa. O fortalecimento de líderes com propensões antidemocráticas. E, claro, entre Donald Trump e Hillary Clinton, com os EUA em convulsão social contínua e um Partido Republicano cindido em dois, Putin não tem dúvida do que prefere.

O Facebook admitiu, embora tenha demorado, que houve pesada compra de publicidade pró-Trump, daquele tipo que radicaliza o eleitor com fake news, paga em dinheiro russo. Além disso, hackers do governo russo invadiram os servidores do Partido Democrata, roubaram e-mails internos e vazaram, pelo Wikileaks, seu conteúdo para forjar um escândalo onde não havia. Com a eleição americana e o plebiscito do Brexit, 2016 se mostrou o ano em que a ciberguerra eleitoral russa mostrou suas garras.

Isso não quer dizer, evidentemente, que a Rússia tenha o poder de determinar os resultados de qualquer pleito. Em sua estratégia, isso é menos importante. Não são poucos os governos que identificaram e denunciaram essas tentativas: França, Espanha, Bulgária, Itália, Holanda, República Checa, Macedônia. A lista é grande.

Bolsonaro não precisa pedir a Putin que interfira nas eleições brasileiras. Ter um presidente brasileiro que não se dá com Washington já lhe interessa de saída.

 

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