sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Vinicius Torres Freire: Dinheiro está nervoso com a Ucrânia

Folha de S. Paulo

Propaganda de guerra ou início de pânico estão na mídia do mundo rico e nos mercados

Jair Bolsonaro não visitou Wall Street nesta quinta-feira. "Coincidência ou não", os donos do dinheiro do mundo ficaram nervosos com a guerra ou com o que o governo americano chama de "risco muito alto" de "invasão iminente".

Como se sabe, com aquela sua tentativa de esperteza de capiau com "limitações cognitivas", Bolsonaro dissera que "coincidência ou não", parte das tropas russas deixara a fronteira com a Ucrânia, retirada que de resto pode ser apenas mentira.

Faz uma semana, os preços dos ativos financeiros sobem e descem aos solavancos no centro do mundo rico (sim, digam aí que estão na montanha russa). A coisa não andava boa por outros motivos, principalmente porque se discute nos Estados Unidos qual vai ser a rapidez e o tamanho da paulada nas taxas de juros por lá, pois a inflação ainda sobe. Mas, nesta quinta, havia cheiro de queimado de guerra.

Houve tombos feios nas Bolsas americanas e uma ligeira queda da taxa de juros da dívida do governo americano (ou seja, o saldo do mercado foi de compra desses títulos, gente procurando alguma segurança). O movimento de baixa bateu nos mercados daqui também.

Há alguma prova de que o risco de guerra aumentou? Há declarações do governo americano, de sua embaixada na ONU e no discurso de Joe Biden. Não, não dá para acreditar no governo americano —menos ainda em Vladimir Putin. Russos e ucranianos se acusam de terem bombardeado Lugansk, no leste da Ucrânia (em guerra civil, com uma parte pró-russa). Russos acusam a Ucrânia de genocídio de russos ucranianos e expulsaram o vice-embaixador americano em Moscou.

Seja como for, o ambiente de início de pânico ou pelo menos a torrente de propaganda nervosa se espalhava pela mídia financeira anglo-saxã, como dizem os franceses, pelo jornalismo tradicional e pelos mercados. Se não é verdade, é bem provável que a ameaça de guerra tenha sido comprada por quem dá notícias e negocia dinheiro.

Como sempre, cabe a pergunta: e daí? Amanhã pode ser outro dia, para começar. Além do mais, o Brasil tem tantos e tamanhos problemas domésticos, tanto dano auto-infligido, que uma desgraça adicional talvez não faça diferença, ainda menos para a massa de brasileiros lascada e sem socorro. Qualquer pessoa adulta, de bom senso e que leu jornais nos últimos anos deve saber que não é bem assim

Se a gente não sabe nem da probabilidade real de guerra, é ainda mais difícil imaginar quais seriam as sanções dos Estados Unidos e, talvez, de seus aliados contra a Rússia. Assim, não saberemos bem para onde vai o preço do petróleo ou qual o tamanho da "fuga do risco" (de moedas como real), o que é o exemplo mais comezinho de impacto de uma crise internacional sobre o Brasil (sobre a inflação). Mas o risco é sério.

A depender do tamanho da guerra, se alguma guerra houver, o impacto sobre a confiança econômica pode ser grande, um solavanco de pelo menos alguns meses. Como estamos com água pelo nariz em termos de PIB e inflação (ainda sem controle), qualquer marola nos engasga.

Note-se que uma ruptura com a Rússia deixaria a União Europeia sem boa parte de seu petróleo e gás, com impacto maior sobre a Alemanha, que vem a ser a quarta economia do mundo. A Alemanha não ficaria no escuro, claro, mas o preço de combustíveis fósseis subiria, a não ser em caso de ajuda descarada da Arábia Saudita, que não deve entrar nesse rolo.

Na crise de 2014 (anexação da Crimeia, guerra civil no leste da Ucrânia, com intervenção russa), não aconteceu nada, nem o menor remelexo nos mercados financeiros nervosinhos. Uma invasão russa "oficial", provocaria uma reação do "Ocidente". "Desta vez é diferente".

 

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