O Estado de S. Paulo
Apesar do cheiro de golpe no ar, a
sociedade civil brasileira permanece em alerta. Sua arma é a Constituição
A ruptura violenta da ordem institucional é
algo que exige a conjunção de diversos fatores, para alcançar sucesso. Os
precedentes revelam ser indispensável cuidadosa preparação; que os agentes
sejam ousados, dispostos a morrer ou matar; que a opinião pública se deixe
apanhar de surpresa; e que o líder tenha inteligência, coragem e conte com as
Forças Armadas.
Em Técnica do Golpe de Estado, Curzio
Malaparte escreveu como Trotski, o teórico da revolução permanente, cujo nome
real era Lev Davidovitch Bronstein (1879-1940), dizia ser possível derrubar
qualquer governo quando a sociedade estivesse apática e desorganizada, se os
conspiradores dispusessem de pequeno grupo de homens bem armados, dotados de
coragem para ocupar, em poucas horas, posições estratégicas na capital do país.
O Brasil conhece algumas experiências de tentativas de golpes improvisadas, mal comandadas e fracassadas. A mais notória é a Intentona Comunista de 1935, liderada por Luís Carlos Prestes. Esmagada sem clemência pelo Exército, deixou como legado a implantação da ditadura de Getúlio Vargas em 10/11/1937, com a edição da Carta Constitucional de 10/11/1937. O preâmbulo, escrito por Francisco Campos, justificava o golpe, deflagrado para atender “ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente”.
Em 11/5/1938 registrou-se nova tentativa de
derrubada de Vargas, tramada por integralistas adeptos da doutrina difundida
por Plínio Salgado. Reduzido grupo de homens, conduzidos pelo tenente Severo
Fournier (1908-1946), tentaram invadir o Palácio Guanabara, residência do
presidente e da família. Foram repelidos pelo próprio Getúlio, sua filha
Alzira, poucos parentes e alguns auxiliares, armados de revólveres. Os
atacantes não conseguiram ultrapassar os portões do palácio. O ataque foi
contido antes que chegasse a Polícia Especial, comandada pelo coronel Cordeiro de
Farias. Detalhado relato da aventura foi deixado por Alzira Vargas no
livro Getúlio Vargas, meu pai. Recomendo a leitura a quem se interessar em
conhecer o enigmático episódio do Estado Novo (1937-1945).
Patético arremedo de intentona se registrou
no governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961). Em 11/2/1956, poucos
dias após a posse, o major-aviador Haroldo Veloso se apoderou de bimotor da
Força Aérea Brasileira (FAB), carregado com armas e explosivos. Auxiliado por
alguns oficiais, levantou voo em direção a Jacareacanga, no sul do Pará, com a
pretensão de iniciar movimento armado para derrubar o governo democraticamente
eleito. Apesar de isoladas manifestações de solidariedade, a insurreição
malogrou. No prazo de dias o governo restabeleceu a normalidade. Nova tentativa
de golpe ocorreu no final do governo Kubitschek, promovida ainda pelo mesmo
major Veloso, acompanhado pelo tenente-coronel aviador João Paulo Burnier. Como
aconteceu na anterior, foi rapidamente sufocada. Em ambos os casos, os insurgentes
foram anistiados e reincorporados à FAB.
Em 12/9/1963 cabos, sargentos e suboficiais
da FAB e da Marinha de Guerra se mobilizaram contra o Supremo Tribunal Federal
(STF), por decidir pela inelegibilidade de militares de baixa patente.
Comandados pelo sargento Antônio Prestes de Paula (1927-2004), tentaram dominar
Brasília. Alguns oficiais foram aprisionados. Também foram detidos o ministro
Victor Nunes Leal, do STF, e o deputado federal Clóvis Motta. Após tiroteios
com as forças governistas, os rebeldes baixaram as armas e se entregaram. Da
inconsequente aventura, apoiada por vários dirigentes sindicais e parlamentares
de esquerda, teriam participado cerca de 600 insurgentes. Um civil foi morto.
Durante a ditadura não houve, a rigor,
tentativa de golpe. Apenas sedições promovidas por adversários do regime, como
a do capitão Carlos Lamarca, desertor de Regimento de Infantaria de Quitaúna,
ou a ocupação de áreas na região do Rio Araguaia por estudantes da classe
média, que pagaram com a vida o gesto de coragem.
O fim do regime militar deu início à
reconstrução do regime de liberdade. O governo do presidente José Sarney foi o
viaduto na transição para o Estado de Direito Democrático, concluída com a promulgação
da Constituição de 5/10/1988.
Estamos a menos de 50 dias das eleições.
Sente-se, entretanto, cheiro de golpe no ar. Palavras imprudentes do presidente
Jair Bolsonaro contribuem para a sensação de insegurança. S. Exa. não se cansa
de investir contra ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Levanta infundadas suspeitas em relação ao pleito em que disputará a reeleição.
A sociedade civil permanece, porém, em
alerta. Sua arma é a Constituição. É o esteio que, embora remendada, sustenta o
Estado de Direito Democrático. O manifesto subscrito por centenas de milhares
de cidadãos, corroborado por documentos lavrados por empresários e
sindicalistas, revela o povo mobilizado em defesa da democracia.
O momento, se algum dia houve, já passou.
*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
Um comentário:
Se dependesse só de Bolsonaro teria golpe todo dia.
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