quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Roberto Damatta - País do futuro...

O Estado de S. Paulo

O futuro chegou com toda força, mas só agora nos damos conta de que há nele um pesado passado

Com 86 anos, estou exatamente no futuro que duramente construí quando jovem. O presente promove futuros. Escolhas realizadas agora predispõem futuros. No nosso caso, um futuro glorioso aprisiona um Brasil de presentes vergonhosos.

Pois mesmo com um debate político inibido, e reacionariamente evitado, ainda ouvimos que todos os nossos problemas serão resolvidos num utópico amanhã, porque, hoje, resolvemos o meu ou (se você for dos nossos) o seu problema.

As questões mais agudas como o repensar a educação, como fez Anísio Teixeira, a gente deixa para os corajosos, os sinceros e os honestos do futuro. “No futuro tudo se resolve...” – porque, abandonando a ele as tarefas, lavamos as mãos.

O problema é que o futuro chegou com toda força, mas só agora nos damos conta que há nele um pesado passado. Um passado escravocrata, feito de uma elite traficante e de negros que eram máquinas.

Amaciamos o justo clamor do movimento negro falando que o problema é a pobreza. Mas os pobres podem melhorar de vida e nela “subir” virando ricos, como ocorre com os gloriosos atletas e artistas. Mas os pretos continuam pretos! O papel de preto não é negociável e, na maioria das circunstâncias, é agravante contra a aparência.

Ah! A famosa aparência ou o “jeito” de fulano ou sicrano que negocia a sua figura e a cor de pele. Uma razão estética que acompanha a oculta hierarquia nacional brasileira. O “jeito da pessoa” – a aparência (feio ou bonito, nervoso ou calmo...) – certamente ajuda. Nas sociedades que territorializaram etnias inventando a segregação – como demonstra claramente o caso dos EUA com seus bairros pobres de judeus, italianos, gregos, latinos e brasileiros – o “jeito” é impensável. O foco é na diferença mais expressiva e, na maioria dos casos, surgem o rosto, a cara e o cabelo, os lábios e o nariz que são inegociáveis. Por isso a negritude é um estigma que hoje, neste futuro inesperado, no qual dois candidatos esvaziam o jogo democrático debaixo de um esquemático e brasileiríssimo combate entre uma direita e uma esquerda, poucos enxergam que nenhum dos dois tem lealdade à democracia.

O futuro mágico é um mito destinado a manter o passado. É equivalente às exortações religiosas de paciência e sacrifício, porque o tempo passa e com isso as coisas mudam por si mesmas. O arianismo que iria branquear o Brasil estava no futuro. Hoje, quase na metade do século 21, nos deparamos com uma história política regressiva (e reacionária), negacionista e vazia de programas. Um aqui e agora marcado pelo “salva-se quem puder”. É esse o Brasil do futuro que minha geração esperava? 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Que exagero dizer que a gente já esstá quase na metade do século XXI e,não, Lula não é antidemocrático como Bolsonaro,apesar de,sim,dar suas mancadas.