O Globo
Suspeito que o próximo passo será criar CPI
numa tentativa de jogar a culpa do quebra-quebra do 8 de Janeiro nos
adversários
Um dos traços que tornam diferente o Brasil
de hoje é o comportamento diante das eleições. No passado recente, divulgado o
resultado, todos, vencedores e vencidos, voltavam para suas atividades
cotidianas e iam pensar no assunto quatro anos depois.
Nesta semana, a disputa no Senado
representou mais um turno de um confronto interminável. A extrema direita
perdeu, mas tem uma incrível capacidade de racionalização. As derrotas são
transformadas em vitória, e logo inventarão uma nova luta.
Suspeito que o próximo passo será criar uma CPI numa tentativa de jogar a culpa do quebra-quebra de 8 de Janeiro nos adversários. Dirão que petistas infiltrados foram os responsáveis, com a cumplicidade do governo federal. É um pouco a tática de culpar a vítima pela violência que se comete contra ela.
Fui comentar para a GloboNews, mas a posse
do novo Congresso é para mim uma viagem emocional. Passei 16 anos da vida
trabalhando lá. Encontrei antigos colegas, todos nós envelhecidos. Alguns me
apresentavam a filha que tomará posse em seu lugar; outros, a mulher; um deles,
o neto. Como as coisas se dão em família, concluí.
Reencontro o Brasil onde viajo tanto ao ver
as famílias vestidas como se fossem a um casamento na pequena cidade; as
meninas com vestidos compridos; os homens de terno escuro; as mulheres se
equilibrando no salto novo e alto.
Sinto-me meio perdido. Na televisão, ao
falar de Rogério Marinho, creio que disse Djalma Marinho, confundindo o
candidato com seu avô, um famoso político na sua época.
Nesse clima de emoção, acabei questionando
a opinião de uma colega sobre Arthur Lira. Não paro de passar vergonha. Já não
era mais para ficar discutindo tarde da noite na TV, muito menos questionar
opinião dos outros. Já devia estar fazendo poemas amorosos sobre o país, como
este verso de Luiz Lobo: A bandeira do Brasil, coitadinha tão feinha.
Meu coração estava com Chico Alencar,
candidato na Câmara. Na tribuna a seu lado, duas deputadas indígenas, uma bela
mulher trans, enfim, minha gente, por quem amava trabalhar quando deputado.
Não é só gente discriminada, mas assassinada
cotidianamente no Brasil. Às vezes, há um surto de consciência, como agora com
os ianomâmis. Mas, de um modo geral, tudo se passa silenciosamente para as
pessoas na sala de jantar. Preciso de um pouco de literatura para enfrentar o
cotidiano da TV. Tentei usar uma frase de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, autor
de “O leopardo”, para orientar minhas análises na semana:
— Tudo deve mudar para que tudo fique como
está.
Algumas coisas mudaram, como o governo
central e a ênfase na democracia, mas os presidentes do Senado e da Câmara são
os mesmos do período Bolsonaro.
Movem-se em conjunturas diferentes. Rodrigo
Pacheco será mais intenso na defesa do Estado de Direito, mais cuidadoso com os
projetos que destroem o meio ambiente; Arthur Lira, com uma nova base de apoio,
terá de ser hábil diante de um governo mais articulado politicamente e menos
vulnerável.
Mas quem coordenou o orçamento secreto e
fez dele seu grande instrumento de poder não mudou substancialmente. Duvido que
na passagem de ano tenha ido à praia prometer a Iemanjá que priorizará os
interesses nacionais e esquecerá os do político provinciano. Pode ter até
acontecido, mas estava em outra praia e não presenciei.
Apesar de tudo, foi uma semana memorável.
Encontrar velhos funcionários do Congresso, me perder naquela multidão
endomingada, formular hipóteses tarde da noite na TV. A emoção às vezes nos
envergonha, mas é boa resposta para aquela saudação tupinambá, título de um
livrinho que tento escrever: “Ainda vives?”.
4 comentários:
Pensamentos do Gabeira
Melhor que Damares
Vendo Jesus na goiabeira.
Gabeira foi dos melhores parlamentares federais após a redemocratização e a Constituinte de 1988. Seu artigo é moderadamente pessimista, mas serve ao Brasil, também, como jornalista e escritor.
Gabeira,o melhor governo que o Rio não teve.
Gabeira envelheceu mal...
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