Correio Braziliense
Os principais líderes União Europeia estão
alinhados aos Estados Unidos e à Inglaterra no esforço de apoiar Zilensky e
botar para correr da Ucrânia as tropas russas de Putin
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva anunciou que pretendia formar um clube para negociar a paz na Ucrânia
quase ninguém levou muito a sério, com exceção do chanceler brasileiro Mauro
Vieira, que viu na proposta uma grande oportunidade para a nossa diplomacia,
reconhecidamente competente, principalmente nas negociações multilaterais. A
desconfiança em relação à viabilidade da proposta decorre do fracasso do acordo
nuclear com Irã negociado pelo Brasil e pela Turquia, mas rejeitado pelo então
presidente norte-americano Barack Obama. Sim, existe a velha e legítima ambição
de conquistar o Nobel da Paz por parte de Lula, mas isso é um prato feito para
a maledicência. No Brasil, “o sucesso é um atentado ao pudor”, como diria Tom
Jobim.
A bandeira da paz estava na lata do lixo do Ocidente. Todos os principais líderes da União Europeia estão alinhados aos Estados Unidos e à Inglaterra no esforço de botar para correr do território ucraniano as tropas invasoras do presidente da Rússia, Vladimir Putin. Por isso, perderam condições de neutralidade para mediar o conflito. No começo da guerra, acreditava-se que a Rússia conquistaria Kiev e destituiria o governo ucraniano em dez dias. Joe Biden chegou a oferecer asilo ao presidente Vladimir Zelensky, mas teve essa oferta rejeitada: “não preciso de asilo, preciso de armas”, disse o líder ucraniano. A guerra completou um ano, o Exército russo teve que recuar para as províncias de sua fronteira e Zelensky, que se tornou o líder mais popular da Europa, agora, prepara uma contraofensiva para retomar a Crimeia.
As possibilidades de Lula ter êxito
decorrem de que a defesa da paz sempre foi um movimento de opinião muito forte,
inclusive nos Estados Unidos, e das consequências da guerra para a economia
mundial, principalmente para a União Europeia. Gostem ou não seus adversários,
Lula é um líder respeitado no mundo. Sua aliança com os presidentes Joe Biden e
Emmanuel Macron, da França, com os quais tem em comum a forte oposição de
extrema direita, reposiciona o Brasil no Ocidente, depois de 4 anos como pária
internacional, devido à política do ex-presidente Jair Bolsonaro. Sua projeção
no Sul globalizado facilita o trânsito na África e na Ásia, o que pode resultar
na criação do tal Clube da Paz, por iniciativa conjunta com a China, a Índia, a
África do Sul e a Indonésia.
Lula já se reuniu com 15 chefes de estado e
o pretende se encontrar com o presidente da China, Xi Jinping, no dia 28 de março.
Os chineses apresentaram um programa de 12 pontos para a negociação da paz
entre a Rússia e a Ucrânia, se colocam acima da disputa entre ambos. Não apoia
a invasão russa nem as sanções econômicas do Ocidente contra Putin. Entretanto,
a tensão com os Estados Unidos está aumentando. A economia chinesa ameaça a
hegemonia norte-americana na globalização e força o surgimento de uma nova
ordem mundial multipolar. A resposta norte-americana está sendo reduzir
progressivamente a participação chinesa nas suas cadeias globais de valor,
principalmente na área eletrônica, e fortalecer sua presença militar no Índico
e no próprio Mar da China.
Não morrerão em vão
A escalada das tensões entre as potências
provocada pela guerra da Ucrânia é uma nova “marcha da insensatez”. Os
ucranianos decidiram se incorporar definitivamente ao bloco militar do
Ocidente, a Otan, que sustenta sua resistência. Os russos, cuja estratégia de
defesa se baseia na profundidade do território, fracassaram no propósito de
derrubar o governo pró-Ocidente de Zilensky, porém, insistem em anexar os
territórios da rica bacia carbonífera do Donbass, onde a presença ortodoxa
russa sempre foi muito forte.
A situação lembra um pouco a da Itália na I
Guerra Mundial, em 1915, ao lado da Entente, quando os políticos e militares
italianos acreditaram que seria fácil tomar Trento e Trieste do Império
Austro-Húngaro. Centenas de milhares de jovens foram recrutados e lançados à
batalha. No primeiro confronto, porém, o ataque foi contido. Morreram 15 mil
italianos. Na segunda batalha, foram 40 mil mortos; na terceira, 60 mil. Os
italianos lutaram “por Trento e por Trieste” em mais oito batalhas; em
Caporetto, na décima-segunda, foram derrotados fragorosamente e empurrados às
portas de Veneza pelas forças austro-húngaras, que fizeram 200 mil
prisioneiros. Ernest Hemingway se inspirou nessa batalha para escrever o livro
Adeus às armas (Record).
O episódio ficou conhecido como a de
Síndrome “Nossos rapazes não morreram em vão”, porque foram contabilizados 700
mil italianos mortos e mais de 1 milhão de feridos ao final da guerra. Segundo
Yuval Noah Harari em Homo Deus (Companhia das Letras), os políticos italianos
tinham duas opções. A primeira era admitir o erro após a primeira batalha. Um
tratado de paz seria aceito pelo Império Austro-Húngaro, que enfrentava outros
três exércitos poderosos. Prevaleceu a segunda, porque a primeira tinha o ônus
de ter que explicar para os pais, as viúvas e os filhos dos 15 mil mortos de
Izonso porque eles morreram em vão. Era mais fácil exacerbar o nacionalismo e
continuar a guerra. Essa é a situação de Putin, mas também de Zilensky, mesmo
tendo razão. Os Estados Unidos e da União Europeia empunham a bandeira da
democracia e da independência da Ucrânia para defender a continuidade da guerra,
“até a derrota militar de Putin”, graças ao heroísmo ucraniano. O conflito deve
se prolongar. As negociações de paz da Guerra do Vietnã, em Paris, consumiram
cinco anos.
4 comentários:
Dedo Azedo direto na ferida, sem contemplação
"Gostem ou não seus adversários, Lula é um líder respeitado no mundo."
Verdade. E ninguém respeita o bozo.
Até neste blog tem comentarista q crê q o Lula não deveria se meter nisso.
Pois bem, meteu-se e se deu muito bem. E o mundo precisa dessa intromissão.
Dá-lhes, LULA!
700 mil italianos mortos numa guerra. Igual número de brasileiros mortos na pandemia. Triste comparação.
E o ser humano segue morrendo por nada.
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