sábado, 11 de fevereiro de 2023

Pablo Ortellado - Chance de regular as mídias sociais

O Globo

A regulação europeia cria um precedente oportuno

Depois dos eventos de 8 de janeiro, formou-se o consenso de que as mídias sociais e os aplicativos de mensagem precisam de regulação. Mas iniciativas concorrentes e desarticuladas do Legislativo e do Executivo podem desperdiçar a oportunidade que se abriu para uma regulação robusta, amparada pela experiência internacional.

Logo depois do 8 de Janeiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciaram separadamente iniciativas legislativas para regular as mídias sociais.

Lira anunciou que retomaria a tramitação do PL 2630, conhecido como PL das Fake News, uma proposta elaborada pelo Senado no começo do governo Bolsonaro, que empacou na Câmara, cercada de controvérsias. O projeto do Senado foi aperfeiçoado pelo trabalho cuidadoso do relator Orlando Silva (PCdoB-SP), mas também limitado e distorcido pelo lobby das plataformas de mídia social e pelas condições políticas de uma Câmara alinhada com o governo Bolsonaro.

A última versão do texto, de abril de 2022, retirou praticamente todas as medidas efetivas de regulação dos aplicativos de mensagens propostas pelo Senado e incluiu um dispositivo pernicioso de imunidade parlamentar que, a depender da interpretação, poderia eximir os políticos da moderação das plataformas. Mensagens virais no WhatsApp e no Telegram permaneceriam sem poder ser rastreadas até as fábricas de ódio. Parlamentares também poderiam publicar ataques à democracia, desestímulos à vacinação ou outros conteúdos vetados a usuários comuns sem que suas postagens fossem apagadas ou moderadas.

Justamente por esses problemas, Dino optou por formular sua proposta de regulação das mídias sociais — parte do “pacote antigolpe” — na forma de Medida Provisória (MP), e não de projeto de lei (PL). Se saísse como PL — como deve sair a proposta de criar uma Guarda Nacional —, inevitavelmente seria apensado ao PL das Fake News e provavelmente amalgamado a ele, com todos os seus problemas. Saindo como MP, a proposta passaria a ser discutida separadamente e teria tramitação mais célere (além, é claro, de validade imediata).

Só que a ideia de regular mídias sociais por meio de MP despertou resistência — com razão, já que impacta sobre a liberdade de expressão, um tema delicado. Não se sabe exatamente o conteúdo da MP proposta por Dino, já que ainda não foi divulgada, mas ele deu declarações sugerindo que introduzirá o dever de cuidado, dispositivo de inspiração europeia que atribuiria às plataformas a responsabilidade de limitar a difusão de conteúdo golpista e antidemocrático.

A briga entre Lira e Dino — Legislativo e Executivo — para ver quem regula primeiro é muito ruim. Pode queimar a oportunidade que se abriu para a regulação das mídias sociais e dos aplicativos de mensagem.

Muita coisa mudou desde quando o Brasil começou a discutir o PL das Fake News. Em primeiro lugar, os eventos de 8 de janeiro mostraram que as consequências de sistemas de comunicação digital desregulados podem ser muito graves. A eleição de Lula também abriu outro horizonte político no Congresso, mais receptivo a abordagens regulatórias mais amplas. Por fim, a Europa acaba de aprovar um pacote regulatório robusto, a Lei de Serviços Digitais.

A regulação europeia cria um precedente oportuno. Estabelece um paradigma muito bem pensado e discutido, apoiado nas experiências regulatórias alemã e britânica. Além disso, como as plataformas já terão de se ajustar a esses dispositivos no mercado europeu, não poderão alegar aqui que os mecanismos são inviáveis ou que os custos de implementação são proibitivos, como fizeram com o PL das Fake News.

Temos hoje uma opinião pública sensibilizada, Legislativo e Executivo empenhados e um modelo internacional de referência. É hora de propor uma regulação ampla, sem invencionices, próxima ao modelo europeu, antes que a janela de oportunidade se feche. É preciso abandonar o PL das Fake News, criado num contexto ultrapassado, e formular outro por meio de um processo de consulta amplo, mas célere. Só há espaço político para aprovar um texto. Por isso será preciso que a Câmara e o Ministério da Justiça parem de competir por protagonismo e comecem a conversar.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente artigo.
Jornalismo é isso: conteúdo que esclarece.
Ajuda o leitor formar sua opinião
Vou pedir aos legisladores,deputado e senador, nos quais votei que se manifestem claramente a seus eleitores quanto as suas posições a essa questão.
Grato ao blog que informa e esclarece ao cidadão comum.

Anônimo disse...

Regulação ampla (e irrestrita) significa que eu posso baixar o pau em todos os que pensam diferente de mim ? Acho interessante Muito interessante