Folha de S. Paulo
Postura do governo Lula determinará sucesso
ou fracasso da política externa
Lula não vai à China por causa da Ucrânia,
mas para reposicionar o Brasil num mundo muito diferente –mais complexo,
perigoso e hobbesiano– que aquele de duas décadas atrás, na inauguração de seu
primeiro mandato. A guerra na Ucrânia, porém, paira sobre as conversas que
manterá com Xi Jinping. O desenlace do conflito redefinirá os contornos da
ordem mundial. E a postura do governo Lula na busca de uma solução negociada
determinará o sucesso ou o fracasso da política externa brasileira.
Quais são os interesses da China no
conflito que se desenrola em terras ucranianas? Eis a charada que nossos
diplomatas-chefes –Celso Amorim e Mauro Vieira– precisam decifrar antes de
assinar um comunicado conjunto com Xi Jinping.
No início, Lula atribuiu a Putin e Zelenski responsabilidade compartilhada pela guerra ("quando um não quer, dois não brigam") e, reproduzindo alegações do Kremlin, enxergou na invasão russa motivações de segurança ligadas à expansão da Otan. A "neutralidade pró-russa" ensaiada pelo Brasil adapta-se ao plano de paz apresentado por Xi Jinping.
A China declara-se "imparcial"
diante da guerra. Tradução: no conflito, não distingue o agressor do agredido,
a nação invasora da nação invadida. Por isso, absteve-se na votação da
resolução da ONU de condenação da invasão. Seu plano de paz menciona o respeito
à "soberania" sem explicitar qual soberania foi violada, abrindo
espaço para a interpretação putinista de que os territórios ucranianos
ilegalmente anexados pertencem à Rússia. O plano clama por um cessar-fogo
seguido de negociações, o que congelaria a ocupação militar russa de um quinto
da Ucrânia. A "imparcialidade" tem lado.
Analistas distraídos imaginam que interessa
à China o prolongamento da guerra, a fim de tensionar a unidade entre os
aliados da Otan. Esquecem-se da relevância do mercado europeu para a economia
chinesa: quanto mais longo o conflito, mais a Europa se desconectará da
potência que oferece amparo à aventura imperial russa. Xi Jinping quer a paz
–mas não a qualquer preço.
A China é agnóstica diante da soberania
ucraniana e, em geral, dos princípios da Carta da ONU que proíbem a anexação de
territórios pela força. Xi Jinping não se importa pelos temas da sobrevivência
da Ucrânia como nação independente ou do traçado de suas fronteiras. Tudo que
lhe interessa é evitar a queda do regime de Putin, consequência quase certa de
um colapso militar russo.
O triângulo EUA-China-Rússia assume sua
terceira configuração histórica. Até o cisma sino-soviético concluído em 1969,
a China figurou como aliado secundário da URSS. Depois, a partir de 1971,
tornou-se o parceiro menor dos EUA, isolando a URSS na ordem bipolar da Guerra
Fria. Hoje, reconstituiu-se a aliança original sino-soviética, mas com
hierarquias invertidas. No confronto estratégico com os EUA, a China conta com
o suporte de uma Rússia que ocupa a posição de parceiro menor.
Salvar Putin de seu cálculo desastrado,
impedindo o isolamento da China –é esta a missão de Xi Jinping. O regime chinês
empenha-se no resgate econômico da Rússia e, com seu plano de paz, busca uma
saída vitoriosa para a invasão deflagrada pelo chefe do Kremlin. Lula não tem o
direito de envolver o Brasil na legitimação de uma guerra de conquista.
A postura brasileira evoluiu desde as
declarações pusilânimes de Lula: o Brasil votou na resolução da ONU que exige a
imediata retirada das forças russas. É, porém, uma evolução agônica, sujeita a
retrocessos: continuamos a criticar a ajuda militar à nação invadida e Mauro
Vieira chegou a sugerir uma "paz" com cessão ucraniana do Donbass.
Nesse passo, basta um desvio para engajar o Brasil na operação chinesa,
reduzindo nossa política externa à condição de refém da guerra de um ditador
com ordem de prisão expedida pelo Tribunal Penal Internacional.
6 comentários:
Perfeito.
Perfeito.
MAM
O colunista errou feio em sua primeira análise da intenção de Lula participar da mediação da guerra Rússia-Ucrânia, agora tenta remendar seu erro grosseiro e espera que os leitores esqueçam as bobagens que escreveu antes. Alguns já esqueceram mesmo...
Magnoli não é só incompetente, é também mal intencionado.
Esse povo que cheira peixe acha que somos inferiores e incapaz para trabalho sério e eu acho que, não demorará muito para essa ditadura do Xi começar a mostrar as garras afiadas de uma raça muito cruel. Que o Lula tenha juízo ao negociar ou, então, acabaremos fazendo parte dessa raça comedora de qualquer coisa, inclusive MORCEGOS e outras coisas mais causadoras de COVID -19.
A Teoria da Conspiração não assimila o debate referente a política externa a luz da nova configuração geopolítica.
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