quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Fernando Exman - Um caminho produtivo para a CPI da Americanas

Valor Econômico

Comissão dificilmente avançará mais do que o Ministério Público e a Polícia Federal na apuração dos fatos

Instalada em meio à crescente desconfiança quanto à efetividade das comissões parlamentares de inquérito, a CPI da Americanas tem a oportunidade de concluir seus trabalhos deixando pelo menos um legado positivo. Para tanto, defendem fontes do meio corporativo e integrantes de órgãos de fiscalização, o colegiado deveria usar a influência de seus integrantes para tentar impulsionar a tramitação de um projeto que regulamente, no setor privado, a figura do “denunciante de boa-fé”. O chamado “whistleblower”.

O prazo de funcionamento da CPI é 14 de setembro, mas pode ser prorrogado. Os entusiastas de ampliá-lo, aliás, ganharam novo ânimo com a revelação de que ex-funcionários da companhia já fecharam ou negociam delações premiadas.

No entanto, é preciso reconhecer que a CPI dificilmente avançará mais do que o Ministério Público e a Polícia Federal na apuração e na responsabilização dos arquitetos da bilionária fraude executada na empresa. Justamente por isso existe a demanda para que as discussões finais da CPI se concentrem na apresentação de um conjunto de proposições para aprimorar a legislação brasileira.

Nesse contexto, a figura do “whistleblower” é citada como principal exemplo: “soprador do apito”, na tradução literal, é o apelido dado à pessoa que decide chamar a atenção para algo irregular que tenha presenciado. Um informante.

O instrumento constava do Pacote Anticrime apresentado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, em 2019, mas com foco no setor público. Previa-se a organização na União, nos Estados e municípios, incluindo respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista, de aparatos voltados ao recebimento de denúncias. Segundo a lei, esses informantes podem receber uma recompensa em dinheiro por suas revelações, com garantias de preservação de identidade e não retaliação.

Mas a iniciativa não decolou. Não avançaram, também, as articulações para que o instrumento fosse regulamentado no mundo corporativo privado, conforme ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.

Fontes que acompanham os trabalhos da CPI acreditam que a devida regulamentação da figura do “denunciante do bem” poderia ter gerado os incentivos necessários para que funcionários da Americanas alertassem as autoridades a tempo, antes de o escândalo eclodir. Algo nesse sentido foi dito, por exemplo, pelo ex-CEO da empresa Sergio Rial em depoimento à própria comissão nessa terça-feira (22). Executivos da atual gestão concordam com a tese.

Concentrar-se em proposições legislativas focadas no futuro pode ser a receita para evitar que a CPI da Americanas se desvie dos objetivos que justificaram a sua criação. Do contrário, o colegiado pode acabar confirmando a tese daqueles que duvidaram da sua efetividade desde o início.

Esse, aliás, não é um desafio apenas dessa comissão.

A CPMI do 8 de Janeiro vive um impasse devido à insistência da base governista em obter Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) relativos às movimentações do ex-presidente Jair Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle. A estratégia surgiu depois do avanço do noticiário a respeito da venda de presentes oficiais dados ao Estado brasileiro.

Já a CPI das Pirâmides Financeiras, concebida para apurar denúncias de irregularidades cometidas com criptoativos, tenta surfar em outra polêmica recente. Depois de tentar realizar depoimentos de celebridades, a comissão informa que irá convocar os sócios da 123milhas.

Muitas CPIs já cometeram o mesmo erro estratégico. Em março de 1952, quando foi sancionada a lei que regulamentava a atuação das comissões de inquérito no Legislativo, parlamentares comemoraram a possibilidade de convocar ministros de Estado, demais autoridades e investigar eventuais desmandos no setor privado.

Publicado no “Diário do Congresso Nacional”, o parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) comemorava o estabelecimento tardio de um mecanismo previsto na Constituição de 1946. Classificava o instituto da CPI como uma revolução que deputados e senadores deveriam se empenhar para valorizar perante a opinião pública.

Porém, o próprio parecer alertava que no Brasil as comissões de inquérito enfrentavam tamanho grau de descrédito que “só um grande esforço de compreensão de deveres por parte daqueles que se venham a constituir, no futuro, pelo Poder Legislativo, conseguirão anular o desconceito público a que as suas similares atingiram”. E acrescentava: “Costuma-se mesmo dizer, à boca pequena e não sem grande plausibilidade, que as nossas Comissões de Inquérito, evidentemente, as que se constituem para apontar dilapidadores do patrimônio público ou práticas desonestas ou viciosas da administração - só têm servido para dar o ‘bill’ [endosso] de idoneidade aos seus indiciados, acobertando-os com o galardão do ‘nada apurado’”.

A CPI da Americanas se aproxima de uma encruzilhada. Precisa definir seus próximos passos e como pretende ficar registrada no “Diário do Congresso”. O mesmo serve para a CPMI do 8 de Janeiro e outras comissões em funcionamento.

 

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