quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Lu Aiko Otta - Estado empresário traz tristes lembranças

Valor Econômico

Projeto voltou a Brasília e parece não ter ideias muito diferentes daquelas que trouxeram prejuízos ao contribuinte brasileiro

O Estado empresário voltou a Brasília com o paletó cheirando a guardado. Não se sabe exatamente quais são seus planos. Pelo que foi divulgado até agora, não parece que tenha ideias muito diferentes daquelas que trouxeram prejuízos ao contribuinte brasileiro e que o colocaram na geladeira nos últimos quatro anos. Mas seu entorno diz que desta vez será diferente.

À parte seus defeitos, a Operação Lava-Jato mostrou que o Estado empresário se envolvera com sócios de conduta duvidosa e que recursos de empresas estatais foram desviados. Na raiz dessa associação, desde a origem pouco auspiciosa, estava a falta de base do governo no Congresso. Ligando os pontos com o cenário atual, fica difícil manter o otimismo.

O déjà-vu ficou forte com o lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Estado empresário ficará responsável pela maior parte do programa, de R$ 1,7 trilhão. A participação privada, que dá suporte ao termo “Novo”, responderá por R$ 612 bilhões.

Além disso, está em gestação no governo uma política de compras públicas, que será uma das principais alavancas da “neoindustrialização”. A ideia é usar o peso da União e das empresas estatais para adquirir preferencialmente produtos fabricados aqui.

Não é uma ideia nova. Em 2010, foi estabelecida uma margem de preferência de 25% para empresas brasileiras. Ainda não está batido o martelo se nessa nova edição a política de compras públicas terá margem, nem de quanto.

Antes malvista como uma espécie de gol de mão, a preferência a produtores locais passou a ser praticada nos últimos anos pelas economias centrais. Neste ano, o Brasil retirou sua oferta para ingresso no acordo de compras governamentais da Organização Mundial do Comércio (OMC). Esse é também um tema sensível na nova rodada de negociações do acordo Mercosul-União Europeia.

Compra de insumos de fabricação nacional será um pilar nos R$ 323 bilhões em investimentos que a Petrobras fará no PAC. Esse mecanismo também já foi usado no passado, sem que se tenha notícia da produção de um novo e pujante complexo de fornecedores para o setor de petróleo.

 

A retomada dos investimentos da estatal ganhou pista limpa. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou denúncia contra um suposto esquema de desvio de recursos da Transpetro, encarregada dos navios e dutos da Petrobras. Era o chamado “quadrilhão do PMDB”, que, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) com base em investigações da Lava-Jato, desviara R$ 864 milhões entre 2004 e 2012.

A pergunta que só os fatos responderão é se o Estado empresário repetirá os erros do passado ou não.

Em entrevista a este jornal, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que haverá reforço na governança das empresas e um aperto nas regras de compliance. A Controladoria-Geral da União (CGU) foi escalada para manter olho vivo nas estatais e nos ministérios.

No caso das empresas estatais, os conselheiros de administração que representam a União estão sendo treinados para serem, de fato, o olho do dono.

Porém, há quem reconheça nos bastidores que não foi por falta de mecanismos de controle que os desvios ocorreram. O problema foi não tê-los utilizado.

Com as estatais na berlinda da opinião pública diante de malfeitos do passado, o governo quer agora demonstrar a que vieram. Privatizá-las não está proibido, mas é algo totalmente fora do radar. Pelo contrário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encomendou à sua equipe um diagnóstico sobre como cada uma delas pode ser fortalecida para executar políticas públicas.

É um pedido que parece confundir causa e consequência, na avaliação de Fernando Soares, professor no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e na Fundação Dom Cabral. Funcionário público de carreira, ele foi secretário de Estatais no governo anterior, mas não integrava a ala dos privatistas radicais.

A Constituição diz em seu artigo 173 que o Estado empresário só pode atuar em temas que envolvam segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Nessa segunda categoria, podem ser enquadradas empresas relacionadas à área de pesquisa, como a Embrapa. No mais, a criação de empresas pelo governo se justifica em casos excepcionalíssimos, explicou. Assim, na sua visão, o esforço de identificar quais políticas públicas podem ser executadas pelas estatais inverte a lógica constitucional.

O Estado empresário foi convocado a Brasília para tentar elevar a taxa de crescimento da economia, projetada pelo Ministério da Fazenda em algo como 2,5% ao longo deste mandato de Lula. Para quem alcançou o “pibão” de 7,5% em 2010, pode parecer pouco. No entanto, o passado tumultuado preocupa.

Ao mesmo tempo em que se tenta retomar a receita do passado, caminha uma agenda de reformas econômicas: tributária, novo arcabouço fiscal, reforma do crédito, transformação ecológica. Dado seu potencial, mereceria mais atenção do que a dada ao Estado empresário.

 

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