Profusão de exceções distorce reforma tributária
O Globo
Congresso deve evitar novos casos especiais,
que elevam a alíquota-padrão para todos os demais
A chegada ao Congresso da proposta de
regulamentação da reforma
tributária marca o início de um período vital para o futuro da
mais profunda mudança já feita no sistema de impostos brasileiro. Em boa parte,
o sucesso da reforma dependerá do grau de resistência que o Legislativo
demonstrará diante de grupos de pressão de setores ansiosos por obter
tratamento especial no novo regime de tributos.
Tudo precisa ser feito para que o Congresso preserve o eixo das mudanças: a conversão de cinco impostos federais, estaduais e municipais (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) em dois tributos sobre valor agregado, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), estadual e municipal. Quanto menos exceções houver à alíquota-padrão que valerá para todos, melhor. Do contrário, a necessidade de manter a arrecadação imporá uma alíquota mais alta — em benefício dos poucos privilegiados pelas exceções e em prejuízo de todos os demais.
Pelos cálculos do secretário extraordinário
da Reforma Tributária, Bernard Appy, a mera unificação de impostos promovida
pela reforma extinguirá benefícios fiscais equivalentes a 2% do PIB, ou cerca
de R$ 200 bilhões. São recursos que desonerarão o consumo, em prol do
crescimento da economia. Mesmo assim, o texto aprovado no Congresso mantém
inúmeras exceções à alíquota-padrão: da Zona Franca de Manaus à cesta básica,
de médicos e advogados aos transporte de passageiros, de livros e bens
culturais a cosméticos e produtos de limpeza, de planos de saúde e hospitais a
atividades imobiliárias — e por aí afora. Com tanta exceção, as alíquotas do
CBS e do IBS somarão até 26,5%, segundo Appy, bastante acima dos 20%
idealizados na proposta original da reforma e bem acima da média dos países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 18,1%.
Dois terços dos 499 artigos da regulamentação
entregues ao Congresso referem-se a exceções. Appy espera que a cobrança
eletrônica dos impostos reduza a sonegação e a inadimplência, para que o peso
dos impostos possa cair sem impacto na arrecadação. Mas, a cada nova exceção, a
soma das alíquotas terá de aumentar. São tantos e tão complexos os casos
especiais que há 107 dispositivos da regulamentação para tratar apenas da Zona
Franca, do Simples Nacional, do Microempreendedor Individual (MEI), do Imposto Seletivo
(sobre bens danosos à saúde ou ao ambiente) e da taxação de imóveis. Há ainda
benefício a profissionais liberais, como advogados, que hoje já pagam alíquotas
efetivas baixíssimas como pessoas jurídicas. As exceções são tratadas em 24
anexos ao projeto.
Representantes da indústria e do sistema
financeiro reunidos na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) fizeram um
apelo por mobilização na sociedade para evitar que o Congresso aumente as
exceções. Appy diz que a reforma revoga muito mais do que cria. Pode-se
argumentar que, como a reforma foi aprovada, o Congresso não pode mexer nas
benesses concedidas, necessárias para sua chancela. Mas não se pode abrir
espaço a que setores com bom trânsito em Brasília aproveitem para conseguir
novos privilégios. Os parlamentares dariam enorme contribuição ao país se
reduzissem os casos especiais ao mínimo. Tornariam o novo sistema tributário
mais eficiente e mais justo.
Ao protelar PL das Redes Sociais, Congresso
mantém atraso no Brasil
O Globo
Enquanto europeus já sanam a opacidade da
moderação de conteúdo, por aqui ainda prevalece o vale-tudo
Ao chancelar a manobra da oposição para
protelar o Projeto de Lei (PL) da Regulação das Redes Sociais, aprovado no
Senado e maduro na Câmara há pelo menos um ano, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
atende aos interesses das plataformas digitais, resistentes a assumir
responsabilidade pela informação que fazem circular quando usada para crimes ou
abusos.
Lira disse que criaria um grupo de trabalho
dedicado ao tema. Isso equivale a recomeçar a discussão da estaca zero. “O
caminho mais hábil é a confecção do grupo de trabalho, que deve funcionar 30 ou
40 dias e chegar com um texto mais maduro no plenário”, afirmou em 9 de abril.
Passadas três semanas, o grupo não foi oficializado. Mesmo que isso aconteça
nos próximos dias, não há nenhum indício de que o tema ganhará a urgência que
merece.
Ao se eximir de tratar do assunto, a Câmara
comete dois equívocos. Primeiro, transfere ao Supremo Tribunal Federal a
responsabilidade por decidir a respeito da questão. Uma ação sobre a
constitucionalidade do artigo do Marco Civil da Internet que isenta as
plataformas de responsabilidade por conteúdos publicados deverá ser julgada na
Corte nos próximos meses. Segundo, os deputados desperdiçam o trabalho
diligente do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL das Redes
Sociais. A última versão, ao contrário do que afirmam seus críticos, atingiu um
equilíbrio virtuoso entre as necessidades de garantir a liberdade de expressão
e de coibir crimes.
O texto não estabelece nenhuma restrição à
livre expressão além das já existentes há décadas na lei brasileira. Dá às
plataformas o direito de formular regras para o cumprimento da legislação, sem
incorrer em censura prévia. Prevê aos afetados amplo direito de contestar
decisões e estabelece que as plataformas serão responsáveis por conteúdos
criminosos apenas quando comprovada negligência. Sua abrangência vai além do
combate à desinformação. Ao determinar às plataformas o dever de zelar pelo
conteúdo, preenche um vácuo jurídico em crimes de toda sorte — da pedofilia ao
racismo.
A oposição fala em não apressar o trâmite
(ora, o tema está há quase quatro anos em debate), propõe ampliar o escopo (com
intenção de adiar a votação) e cita bases eleitorais temerosas de censura
(receio absolutamente descabido). A inspiração do PL das Redes Sociais foi a
legislação da União Europeia. Apesar dos protestos e das previsões
catastrofistas por lá, não há registro de casos escandalosos de censura, nem de
desvantagens para os usuários europeus. Os resultados já sugerem um saldo
positivo, com maior transparência e menor incidência de atos nocivos. Até as
leis, a moderação era arbitrária, a cargo de regras opacas adotadas pelas
plataformas. Agora, o problema começou a ser sanado com transparência. No
Brasil, ainda prevalece o vale-tudo. Com as eleições municipais se aproximando,
há um excelente motivo para o Congresso encarar o tema. Se continuar omisso, o
STF será forçado a exercer o protagonismo que todos gostariam de ver superado
em questões assim.
Lula deve selecionar atritos e buscar centro
Folha de S. Paulo
Derrubada de vetos presidenciais mostra que
governo não consegue impor sua agenda a um Congresso de orientação diversa
Até o início da década passada, o presidente
da República tinha, na prática, a capacidade de vetar por tempo indeterminado
quase qualquer iniciativa do Congresso da qual discordasse. Uma correta mudança
institucional mudou esse cenário e contribuiu para que o Executivo cedesse
poder ao Legislativo ao longo dos últimos anos.
Em julho de 2013, os parlamentares, com
atraso, disciplinaram ritos e prazos para a apreciação dos vetos presidenciais
—que até então se acumulavam aos milhares e cimentavam um círculo vicioso de
omissão e conveniência.
A vida dos ocupantes do Palácio do Planalto
ficou mais difícil, como mostra
pesquisa apresentada na Folha pelos cientistas políticos
Lucio Rennó e Isaac Jordão Sassi. Dos vetos apreciados a partir de 2014, 29%
foram derrubados total ou parcialmente. A proporção é maior em tempos mais
recentes.
Sob Jair
Bolsonaro (PL), 70 de 259 vetos
caíram por inteiro (27%), e 42 (16%), em parte, somando 43%. No terceiro
mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), com 30 apreciações, houve 8 quedas integrais e 8 parciais, chegando
a 53%.
Não espanta, pois, que na semana passada o
governo tenha considerado um feito político o adiamento de uma sessão do
Congresso destinada a examinar outros 32 vetos presidenciais —há risco elevado
de derrota em alguns deles.
O aumento do protagonismo do Congresso tem
decerto aspectos problemáticos. A ampliação das emendas parlamentares ao
Orçamento, em especial, tem ocorrido em cifras
exorbitantes e sem maiores preocupações com a qualidade das
despesas criadas.
No caso da apreciação dos vetos, no entanto,
deputados e senadores estão cumprindo uma tarefa prevista na Constituição,
goste-se ou não das decisões tomadas.
O mesmo eleitorado que conduziu Lula ao
Planalto por margem mínima de votos escolheu um Legislativo com predomínio de
forças do centro à direita.
A exagerada e disfuncional fragmentação
partidária do Congresso tem sido enfrentada de modo gradual com regras como a
cláusula de desempenho. Enquanto isso, cabe ao presidente se valer de diálogo e
negociação, escolhendo com critério as brigas a serem compradas.
Para o governo Lula, o melhor caminho é
buscar pontos de convergência com a maioria parlamentar, rumando ao centro —a emenda
constitucional da reforma tributária é um exemplo virtuoso.
Não se pode obviamente ceder a todas as
demandas fisiológicas dos partidos aliados, mas parece possível melhorar a
gestão da coalizão. Num primeiro escalão com excesso de petistas, faria sentido
uma divisão mais equânime do poder e da tomada de decisões.
África do Sul em transição
Folha de S. Paulo
Perda de força do CNA faz parte do jogo
democrático, mas extremismo é temerário
Sul-africanos irão às urnas no final deste
mês, numa eleição que pode pôr fim
à hegemonia do Congresso Nacional Africano (CNA), o partido de
Nelson Mandela que fez a transição do regime de apartheid para a democracia e
tem chegado ao poder com folga desde 1994.
O presidente do país é escolhido pelo
Parlamento, e as maiorias obtidas pelo CNA vêm diminuindo a cada pleito. Agora,
as pesquisas sugerem que, pela primeira vez, a sigla poderá ficar com menos de
50% da Assembleia Nacional, o que a obrigaria a fazer alianças.
Surpreende que tenham sido necessários 30
anos para que isso ocorresse, já que o desgaste do poder é uma constante nas
democracias. Na África do Sul,
essa tendência é reforçada por 15 anos de estagnação econômica e níveis
epidêmicos de corrupção e clientelismo.
Mas, ao que tudo indica, o CNA continuará
sendo o maior partido do país. Razões para tal resiliência incluem subsídios
governamentais —27 milhões dos 60 milhões de habitantes recebem algum
benefício— e o respeito à história do partido e à figura de Mandela.
Apesar dos graves problemas, a África do Sul
é hoje uma democracia consolidada. Ademais, nos primeiros 15 anos de gestão do
CNA, houve grande incremento econômico e social, em especial para a maioria
negra. Só que os avanços, mesmo incontestes, não chegaram perto de apagar as
divisões raciais.
Esse cenário favorece o surgimento de
discursos populistas, quando não extremistas. Novas
lideranças acusam traição de Mandela, que teria cedido muito aos
brancos e, assim, impedido o enriquecimento dos negros.
São partidos com essa retórica, como o MK do
ex-presidente Jacob Zuma —que deixou o CNA sob acusações de corrupção— e o
ultraesquerdista Combatentes da Liberdade Econômica, que devem crescer mais,
impulsionados pelos votos dos mais jovens.
Será temerário, até mesmo para a economia, se a negociação e a tolerância que consagraram Mandela perderem muito espaço para o radicalismo. O problema é que, como mostram eleições em diversos países nos últimos anos, o extremismo populista se fortaleceu.
O agro não precisa de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
A atuação política do setor é legítima e
necessária, mas a partidarização é nociva, tanto mais se atrelada a uma figura
deletéria à pauta conservadora e liberal como o ex-presidente
O Agrishow, a feira anual do agronegócio, é o
principal fórum de discussão do setor no Brasil. É uma oportunidade valiosa
para se debater questões transversais, como a conjuntura econômica
internacional, políticas públicas de apoio, oportunidades de negócios,
inovações tecnológicas e estratégias de sustentabilidade. E, no entanto, mais
uma vez a feira esquenta as páginas do noticiário político.
No ano passado, à custa de prestigiar o
ex-presidente Jair Bolsonaro na solenidade de abertura, a direção do evento
provocou tremendo embaraço ao desconvidar o ministro da Agricultura, Carlos
Fávaro. O governo emendou mal o soneto, ameaçando retirar o patrocínio do Banco
do Brasil, o que acabou não acontecendo. Mas a cerimônia de inauguração foi
cancelada.
Neste ano, a solenidade oficial de abertura,
no domingo em Ribeirão Preto, contou com as presenças de Fávaro e do
vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin. Mas, em mais
uma manobra visivelmente calculada para afagar Bolsonaro, a abertura foi
realizada, de maneira totalmente incompatível com um evento deste porte, sem a
presença do público pela primeira vez em 30 anos. No mesmo dia, Bolsonaro
organizou uma manifestação também em Ribeirão Preto, que contou com os
governadores de dois Estados destacados por sua produção agrícola: Tarcísio de
Freitas, de São Paulo, e Ronaldo Caiado, de Goiás. Os três participaram da
abertura ao público geral na segunda-feira, transmutada em um comício
bolsonarista.
O agro precisa se despartidarizar. Isso não
significa se despolitizar. A cadeia global de agropecuária é um setor
notavelmente atendido por subsídios, e o agro depende do poder público para se
manter competitivo. Inversamente, o Poder Público também depende do agro, há
tempos o setor mais pujante da economia, que segue todos os anos superando
marcos de produtividade, inovação e sustentabilidade.
Nessas condições, é legítimo que o setor se
organize para promover seus interesses na arena política. De fato, a Frente
Parlamentar Agropecuária é a mais ampla e possivelmente a mais poderosa no
Congresso: são 324 deputados e 50 senadores de legendas e colorações
ideológicas variadas.
Ninguém ignora que os agentes do setor são
tradicionalmente conservadores e têm divergências agudas com os governos
lulopetistas em relação, por exemplo, à demarcação de terras indígenas ou à
conivência com invasões de terra como as do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST). Questionar e pressionar o governo por meio de bancadas de
representantes eleitos e organizações civis é legítimo. Mas é nocivo para o
setor quando essas pautas transbordam a arena política e contaminam um evento
que deveria ser pluripartidário, prejudicando possibilidades de cooperação com
o governo democraticamente eleito em favor dos interesses do País. Tanto pior
quando os organizadores do evento permitem que ele seja, explícita ou
implicitamente, sequestrado por uma figura deletéria às pautas conservadoras e
liberais como Jair Bolsonaro.
Não é conservador nem liberal quem enquadra a
política como uma batalha entre amigos e inimigos e promove rupturas
institucionais ao invés de reformas; a concentração do poder ao invés da
descentralização; a submissão das instituições ao invés de sua independência; o
intervencionismo estatal ao invés do livre mercado. Não é conservador nem
liberal – só reacionário e autoritário – quem flerta com um golpe de Estado
que, se não por mais nada, implicaria um tremendo impacto à economia nacional,
inclusive às importações e exportações do agronegócio.
Diz-se que o agro é pop, e com razão. Acima
de tudo, o agro é forte, econômica e politicamente, e não precisa de um vândalo
político como Bolsonaro para promover seus interesses. As eleições passaram, o
eleitorado optou pelo atual governo, e é com ele que o agro tem de tratar, como
tem de tratar com qualquer governo, de esquerda, direita ou centro. Já passou
da hora de o setor se despartidarizar e, sobretudo, se desvencilhar desse
passivo político que atende pelo nome de Jair Bolsonaro.
A última do sr. Juscelino
O Estado de S. Paulo
A tolerância de Lula com os malfeitos do
ministro das Comunicações pode ser alta, mas a paciência dos que prezam pela
decência no exercício do múnus público já se esgotou há muito tempo
A Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu
que o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, malversou recursos públicos
quando ainda exercia o seu mandato de deputado federal, pouco antes de assumir
o cargo no primeiro escalão do governo Lula da Silva. A versão preliminar de um
relatório preparado pelo corpo técnico do órgão corrobora algo que este jornal
revelou há quase um ano e meio: emendas parlamentares oriundas do “orçamento
secreto” foram direcionadas por Juscelino Filho ao município de Vitorino Freire
(MA) – dominado politicamente por sua família desde pelo menos a década de 1970
– a fim de custear uma obra de pavimentação que serviu para valorizar nada
menos que oito entre as dezenas de propriedades de Juscelino e seus familiares
na região, sem benefício algum para a população local, como tem alegado o
ministro.
“De um total de 23,1 km, envolvendo R$ 7,5
milhões, 18,6 km, (correspondente a) 80%, beneficiariam as propriedades do
(então) parlamentar e, ao que parece, de forma individual. Os restantes 4,5 km
beneficiariam cinco povoações locais, e ainda de forma isolada, sem integração
com a rodovia estadual nem com a sede do município”, diz um trecho do relatório
preliminar dos técnicos da CGU, obtido pelo jornal Folha de S.Paulo e
confirmado pelo Estadão.
Se ainda faltava alguma coisa para que o
presidente Lula da Silva, enfim, tomasse uma atitude firme diante da coleção de
malfeitos de seu ministro das Comunicações – a obra mal explicada é apenas um
deles –, já não falta mais. Afinal, trata-se de um órgão do próprio governo
federal – a CGU – atestando o desvio de emendas parlamentares milionárias
patrocinadas por Juscelino para o atendimento de seus interesses privados. Aqui
e ali, Lula sempre deu a entender que não afastaria um ministro com base “apenas”
em reportagens da imprensa profissional – de resto, quase sempre desqualificada
pelos poderosos quando faz bem feito o seu trabalho de levar à sociedade
informações de interesse público, especialmente no que concerne ao exercício do
múnus público. Essa desculpa esfarrapada para a leniência, porém, não existe
mais a partir da divulgação do relatório da CGU.
A referida obra, orçada em R$ 7,5 milhões,
foi contratada pela prefeita de Vitorino Freire, Luanna Rezende, que vem a ser,
ora vejam, irmã do ministro Juscelino Filho. Para adensar a já carregada nuvem
de suspeição que paira sobre essa suspeitíssima contratação, o serviço foi
executado por uma empreiteira, a Construservice, chefiada por um laranja. Uma
investigação da Polícia Federal (PF) apontou que o verdadeiro dono da empresa é
“um conhecido há mais de 20 anos” do ministro, o empresário José Barros Costa.
“Eduardo Imperador”, vulgo pelo qual Costa é tratado em
Vitorino Freire, foi preso cinco meses após a
assinatura do contrato. Na mesma operação, deflagrada em setembro de 2023,
Luanna Rezende foi afastada da prefeitura, reassumindo o mandato poucas semanas
depois por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto
Barroso. As investigações da PF continuam e é esperado que o ministro Juscelino
Filho preste depoimento no próximo dia 10.
Das duas, uma: ou a CGU tem um péssimo quadro
técnico, a ponto de produzir um relatório com graves acusações contra um
ministro de Estado sem qualquer substância, ou, como é óbvio que é o caso, essa
mixórdia que Juscelino faz entre o interesse público e seus interesses privados
foi, afinal, reconhecida por servidores do próprio governo de que ele faz
parte.
Já passou muito da hora de o presidente da
República afastar do primeiro escalão do Poder Executivo federal alguém que
demonstra tamanha inaptidão para o cargo de ministro de Estado. Ainda que
Juscelino fosse um ás das telecomunicações no Brasil, as evidentes falhas
morais do ministro já o desqualificam. A tolerância de Lula com esses desvios
de seu auxiliar direto pode até ser alta, mas a paciência dos que prezam pela
decência na administração pública já se esgotou há muito tempo.
O avanço da dengue
O Estado de S. Paulo
Doença atinge todos os distritos de São Paulo
em sinal de falha no combate, mais uma vez
A maior cidade do País bateu uma marca
alarmante. Todos os 96 distritos de São Paulo registraram nível epidêmico para
a dengue. De acordo com dados do boletim epidemiológico da Secretaria Municipal
da Saúde (SMS), por toda a metrópole a taxa de incidência da doença supera o
patamar de 300 casos por 100 mil habitantes. Não há mancha territorial na
capital na qual o cidadão esteja seguro.
Os números assustam São Paulo, embora o
estrago da dengue não se restrinja aos limites paulistanos. Pelo Brasil, a
doença, combatida basicamente com o controle de seu vetor, o mosquito Aedes
aegypti, alastra-se há meses em ritmo frenético. Mosquito voa, pica e não
segrega. Conhecida e repetida, a tragédia já estava anunciada havia muito
tempo.
O boletim epidemiológico local mostra o
impacto da doença na metrópole. Entraram para a lista o Jardim Paulista e
Moema, com incidências de 329,0 e 304,1 casos por 100 mil habitantes,
respectivamente. No ranking, são seguidos por Saúde (366,2), Vila Mariana
(373,8) e República (395,5).
Com a alta do dado nos dois últimos
distritos, o mapa da cidade foi totalmente hachurado. Mais rica e supostamente
com os melhores equipamentos públicos e privados de saúde do País, São Paulo
perdeu, por ora, a batalha contra o mosquito da dengue em razão de um misto de
inépcia na gestão de políticas públicas por autoridades municipais, estaduais e
federais, além de falha da população na eliminação dos focos de proliferação do
mosquito.
Os números comprovam o perigo e o desastre.
No topo do infame ranking, estão os distritos de Jaguara (10.598,1), São Miguel
Paulista (7.039,2), São Domingos (4.569,6), Itaquera (4.561,4) e Guaianases
(4.156,7). Com 275.842 casos confirmados, a cidade de São Paulo tem incidência
geral de 2.408,8 casos por 100 mil habitantes. Esse descalabro custa vidas. São
67 mortes em decorrência da dengue até agora e há mais 261 ainda sob
investigação.
Diante do cenário de horror, a SMS diz que
intensificou as ações de combate ao mosquito, de domingo a domingo, além de
aumentar em seis vezes o número de agentes nas ruas, com um salto de 2 mil para
12 mil profissionais. Segundo a pasta municipal, somente neste ano foram
realizados 5,3 milhões de ações de combate ao Aedes aegypti na
capital. A secretaria estimula ainda a adesão à vacinação.
Embora destaque números superlativos na
magnitude dos desafios impostos a uma cidade como São Paulo, parece que a SMS
tem fracassado. Com isso, fracassa o Sistema Único de Saúde (SUS). Prova disso
é que a gestão centralizada pelo governo Lula da Silva foi incapaz de dar uma
resposta nacional a contento. A promessa de uma gestão técnica do Ministério da
Saúde naufragou, o legado da covid não foi seguido e ações básicas como
aplicação de vacinas – um clamor da SMS –, além de insuficientes, mostram-se
ameaçadas pelo iminente risco de vencimento de doses em estoques Brasil afora.
Por ora, em uma prova inversamente proporcional ao bom desempenho, na qual as notas mais altas representam reprovação, São Paulo segue os péssimos passos do País trilhados há décadas e gabarita seu mapa. Tristes números, fragorosa derrota.
A qualificação do trabalho
Correio Braziliense
Hoje, nada mais oportuno do que refletir
sobre os principais desafios enfrentados pelo Brasil em relação a seus
profissionais — do chão de fábrica até os altos executivos de multinacionais
Nunca se falou tanto em investimento na força
de trabalho, na valorização do profissional e na relação entre oferta e
demanda. Hoje, no Dia do Trabalho, nada mais oportuno do que refletir sobre os
principais desafios enfrentados pelo Brasil em relação a seus
profissionais — do chão de fábrica até os altos executivos de
multinacionais.
Se de um lado há uma tentativa de capacitar e
qualificar trabalhadores em áreas que apontam para um crescimento exponencial
nas últimas décadas — como o setor de tecnologia da informação (TI) —,
esse mesmo setor sofre com a lacuna entre a oferta e a demanda por
profissionais especializados em segmentos considerados vitais.
Tecnologia financeira, sustentabilidade,
neurodesenvolvimento, ciência de dados. Um levantamento da Robert Half,
consultoria de recrutamento, durante o terceiro trimestre de 2023, mostra que
cerca de 76% dos recrutadores no Brasil enfrentam desafios na busca por
profissionais qualificados. Em paralelo, a escassez de oportunidades de emprego
também se revela uma preocupação significativa para os trabalhadores
desempregados, com aproximadamente 79% deles destacando a dificuldade em
encontrar colocação profissional.
No outro extremo, a Associação Brasileira das
Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) — prevê que
até 2025 serão criados quase 800 mil novos postos na área, ainda que o Brasil
forme, atualmente, pouco mais de 53 mil profissionais de tecnologia por ano —,
o que deve abrir um deficit de 532 mil pessoas para atuar no segmento.
Vale destacar ainda um cenário de
oportunidades que podemos vislumbrar em um futuro bem próximo. Dado o sucesso
de transações financeiras como o Pix, que no último dia 8 bateu o recorde de
200 milhões de ações em um único dia, é de se esperar que profissionais
especializados em Open Finance sejam extremamente valorizados, assim como
aqueles com visão estratégica de negócios.
Outro setor em franca expansão é o chamado
"emprego verde". A economia verde planeja criar milhões de novos
empregos em todo o mundo, mas nem todos os trabalhadores têm as habilidades que
as empresas estão procurando para esses cargos. Apenas um em cada oito
trabalhadores em todo o mundo tem as habilidades "verdes", segundo o
LinkedIn. Para as mulheres, a lacuna é ainda maior, já que nove em cada 10
delas não têm uma única competência verde ou experiência profissional na área.
Assim como o especialista em
sustentabilidade, o cientista de dados é a bola da vez em termos de
empregabilidade. Os especialistas, inclusive, referem-se aos dados — principal
ferramenta desse profissional — como o "novo petróleo" do mundo. O Glassdoor,
site de vagas e recrutamento, diz que um profissional experiente em dados nos
Estados Unidos ou na Inglaterra pode chegar a ter salários superiores a US$ 120
mil por ano. Outra vantagem é que a carreira envolve áreas afins, como análise
de dados, engenharia de dados, machine learning e business intelligence.
A questão é que o Brasil não consegue
acompanhar o ritmo acelerado das transformações no mercado de trabalho. O país
ainda engatinha em termos de qualificação e desenvolvimento de profissionais,
especialmente em áreas complexas. E, a tirar por base a migração cada vez maior
de pesquisadores e cientistas brasileiros para países desenvolvidos, a
tendência é de que essa lacuna nunca seja preenchida.
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