quarta-feira, 9 de julho de 2008

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


LEMBRAI-VOS DE 1932
Luiz Carlos Azedo


O movimento gerou um bairrismo que acabou se voltando contra os paulistas, não foi capaz de unir São Paulo em torno de um mesmo projeto político

Virou lugar comum atribuir a São Paulo os desencontros da política nacional. O povoado foi fundado em 1553, por jesuíta Manoel do Nóbrega. Com a ajuda de José de Anchieta, do polígamo João Ramalho e de seu sogro, o cacique Tibiriçá, o povoado nasceu à margem do projeto oficial de colonização comandado por Mem de Sá e à revelia do Bispo Sardinha, aquele que foi comido pelos caetés (ou tupinambás, há controvérsias). Mas tornou-se o epicentro da vida econômica e social brasileira a partir da década de 50. Hoje, São Paulo supostamente decide os destinos políticos e sociais pela força do seu poder econômico e de seus 28 milhões de eleitores, ou seja, 22% dos 125 milhões de cidadãos aptos a participarem das eleições no país.


Duas derrotas


Manoel da Nóbrega queria interiorizar a empresa colonial, motivou a saga dos bandeirantes em busca das minas de ouro e diamantes e do contrabando na Bacia do Prata. O Tietê ajudava, rumava para o sertão. A primeira confusão foi a Guerra dos Emboabas (1707-1709), uma disputa pelo controle das jazidas de ouro das Minas Gerais. Comandados por Borba Gato, os bandeirantes queriam exclusividade para explorar as minas que haviam descoberto. Houve reação dos portugueses e imigrantes das demais partes do Brasil, sobretudo os baianos, pejorativamente apelidados de “emboabas” ( em tupi, aves pernaltas) por causa das pederneiras. Os bandeirantes foram derrotados num banho de sangue.


A segunda grande derrota dos paulistas foi Revolução Constitucionalista de 1932, que hoje é comemorada com toda pompa. É apresentada como se fosse um embate entre “constitucionalistas” e “fascistas”. A polarização militar eclodiu em 9 de Julho — e durou até 2 de outubro —, quando o país ainda vivia a ressaca da Revolução de 1930. Iniciou a radicalização política que resultou na Intentona Comunista de 1935, comandada pelo capitão Luís Carlos Prestes, e no Estado Novo, em 1937, que consolidou a ditadura Vargas. No fim da República Velha, a elite tradicional paulista, apesar de poderosa, estava isolada. Enfrentava a oposição das camadas médias, dos tenentes e das demais oligarquias do país, inclusive de Minas Gerais, com quem compartilhara o poder durante décadas.


Quem ganhou?


A destituição de Washington Luís gerou um “vazio de poder”, ocupado pelo projeto centralizador e ditatorial de Getúlio Vargas, que atraiu o apoio de militares e trabalhadores com um discurso nacionalista e populista. O Congresso Nacional, as assembléias e os partidos foram fechados. Os governadores foram depostos e substituídos por interventores, em sua maior parte tenentes que abandonaram o discurso liberal. Por isso, a Revolução Constitucionalista foi um movimento armado de São Paulo em defesa da democracia.

A defesa da Constituição de fato unia os paulistas. As oligarquias do PRP, o Partido Democrático, os comunistas e intelectuais paulistas, em torno da mesma palavra de ordem, defendiam interesses divergentes. O levante militar foi derrotado pelas forças federais e caracterizado como uma reação conservadora, que a antiga União Democrática Nacional (UDN) se encarregou de representar até 1964. Os paulistas foram irremediavelmente divididos pela Era Vargas. A década de 1930 acabou marcada pela reorganização do Estado, fruto da crise do poder oligárquico, o surgimento de novas camadas sociais e a urbanização, no contexto da reordenação da economia mundial após a recessão de 1929 e da II Grande Guerra. Quem saiu ganhando? As oligarquias, o novo empresariado ou a massa trabalhadora? É difícil avaliar.


A revolução de 1932 gerou um bairrismo que acabou se voltando contra os paulistas, não foi capaz de unir São Paulo em torno de um projeto político nacional. Com exceção da eleição de Jânio Quadros, em 1960, quando o PTB e o movimento sindical rifaram o general Lott e fizeram a dobradinha Jan-Jan (Jango na vice), São Paulo jamais marchou em bloco nas eleições presidenciais. Foi assim na vitória de Collor, que derrotou Ulisses Guimarães, Mário Covas e Lula em São Paulo. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, cujos dois mandatos presidenciais não impediram a ascensão de Lula à Presidência. Está sendo assim com o governador José Serra, candidato à sucessão de Lula, que rachou o PSDB e se vê diante da ameaça de uma espetacular recuperação do PT nas eleições das grandes cidades paulistas, a começar pela capital. A divisão do país começa em São Paulo.

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