Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O sistema de prévias eleitorais para compatibilizar demandas partidárias tem sido, no Brasil, uma experiência ainda à procura da eficiência. Propõe a prévia quem está em desvantagem. Sendo um instrumento democrático de escolha, o candidato que está na frente se constrange e concorda com seu desafiador. Vencida a prévia, porém, é certo que a campanha terá apenas a metade do partido. A outra parte, perdedora, cruza os braços.
O PT, partido que por aqui tem a maior experiência com as prévias, e já incluiu o instrumento como dispositivo obrigatório nas normas estatutárias, ainda não provou o acerto da medida. Ao contrário, a cada eleição constata que reside neste sistema muito da responsabilidade pela transformação de vitórias certas em derrotas inesperadas.
Na última eleição municipal, o incidente que mais chocou o partido, e por isto ainda está atravessado nas emoções dos dirigentes, surgiu do embate em uma prévia. Foi a disputa em Santo André, em São Paulo.
Vanderlei Siraque disputou uma acirrada prévia petista com Ivete Garcia. Ivete é a vice prefeita da cidade e o prefeito que deixa o cargo, o também petista João Avamileno (metalúrgico, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, que era vice de Celso Daniel e assumiu quando ele foi assassinado, depois conseguiu ser reeleito para um segundo mandato), ficou com Siraque.
O PT se dividiu ao meio. Como o prefeito, no cargo, lutou por Siraque, parte do secretariado pediu demissão para trabalhar contra; Miriam Belchior, mulher de Celso Daniel, assessora do presidente Lula, que trabalha na Presidência da República, em Brasília, apoiou Ivete. O chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, também apoiou Ivete, e todas as reportagens do período da disputa expuseram a fissura no partido provocada pelas prévias vencidas, por margem apertadíssima, por Siraque.
Foi uma briga, segundo avaliações feitas hoje, considerada histórica. Todos se envolveram, quem tinha e quem não tinha ligações com a política de Santo André. De tão violento, o embate não permitiu juntar os lados imediatamente para enfrentar a campanha.
O prefeito (Avamileno) ganhou a prévia com Siraque e derrotou sua vice Ivete Garcia e a turma do Palácio do Planalto. O grupo derrotado foi aderindo muito lentamente ao candidato que, por pouco, não venceu no primeiro turno. Dos candidatos petistas que foram ao segundo turno, Vanderlei Siraque esteve mais perto de vencer no primeiro turno, teve 48,5% dos votos. No segundo, juntaram-se contra ele todos os que disputaram o primeiro - Newton Brandão, do PSDB, Raimundo Salles, do DEM - e o vencedor, Aidan Ravin, do PTB, um azarão, além da falta de empenho daqueles que estavam com Ivete na prévia. O PT perdeu a eleição e a prefeitura de uma cidade estratégica.
Não há um integrante da cúpula do PT que já tenha se conformado com o que ocorreu em Santo André, e o caso é exemplo de problema originado nas prévias.
Em Porto Alegre, também este ano, o sistema de prévias mostrou, segundo as avaliações internas, que pode mesmo estraçalhar o partido. O grupo de Miguel Rossetto cruzou os braços na campanha de Maria do Rosário, com quem disputou as prévias. Ela acabou tendo um embate voto a voto com a candidata do PCdoB, Manuela D"Ávila, no primeiro turno, e no segundo turno perdeu feio para o atual prefeito, José Fogaça, do PMDB. Exceção à regra, a ministra Dilma Rousseff, que nas prévias trabalhou por Rossetto, na campanha apoiou desde logo Maria do Rosário e foi quatro vezes a Porto Alegre para participar da campanha.
Ainda no Rio Grande do Sul, o atual ministro da Justiça, Tarso Genro, já havia sido protagonista, em 2002, do grande problema que a prévia tem sido para o PT. Deixou a prefeitura e venceu Olívio Dutra por 300 votos na disputa para ser o candidato ao governo do Estado. Olívio, disciplinado, apoiou Genro, mas muitos cruzaram os braços e ele perdeu a eleição.
Até o presidente Lula já foi desafiado a participar de prévia pelo senador Eduardo Suplicy. Lula lhe disse: "Para que prévias? Vamos ficar um falando mal do outro?" Suplicy respondeu: "Não, vou falar bem de você". Mas Lula, mesmo irritado com a iniciativa, ficou quieto, não fez campanha e ganhou a prévia para ser o candidato a presidente.
Antes, os embates mais fortes ocorriam nas convenções partidárias e, reconhecem políticos do partido, havia mais debate político e ideológico, além de negociação. Além de tocar duas campanhas, o vencedor das prévias tem, como primeira tarefa, convencer seu adversário interno a trabalhar por ele. Não há ainda uma conclusão sobre o que prevalece, se seu caráter democrático e de mobilização e exposição que as prévias permitem, ou se seu poder destrutivo da união partidária necessária para vencer a disputa.
Aprendiz de feiticeiro, o PSDB, principal adversário do PT na sucessão presidencial, pelos cenários que se colocam agora, começa a falar em seguir o mesmo modelo. A idéia foi, desta vez, primeiro mencionada pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, durante a campanha das eleições municipais. Aécio quer disputar com o governador de São Paulo, José Serra, a candidatura do partido à Presidência da República, em 2010. Mesmo que o adversário concorde, e parece que sim - já teria, inclusive, dado sinais disso à direção partidária -, o governador de Minas dificilmente conseguirá fazer prévias antes de outubro de 2009, e isto será um outro grande problema.
Nesta data, exatamente um ano antes do pleito, esgota-se o prazo de mudança de partido. Espada que políticos ligados ao governador ameaçam deixar cair sobre o PSDB caso ele não consiga a legenda para ser o candidato.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O sistema de prévias eleitorais para compatibilizar demandas partidárias tem sido, no Brasil, uma experiência ainda à procura da eficiência. Propõe a prévia quem está em desvantagem. Sendo um instrumento democrático de escolha, o candidato que está na frente se constrange e concorda com seu desafiador. Vencida a prévia, porém, é certo que a campanha terá apenas a metade do partido. A outra parte, perdedora, cruza os braços.
O PT, partido que por aqui tem a maior experiência com as prévias, e já incluiu o instrumento como dispositivo obrigatório nas normas estatutárias, ainda não provou o acerto da medida. Ao contrário, a cada eleição constata que reside neste sistema muito da responsabilidade pela transformação de vitórias certas em derrotas inesperadas.
Na última eleição municipal, o incidente que mais chocou o partido, e por isto ainda está atravessado nas emoções dos dirigentes, surgiu do embate em uma prévia. Foi a disputa em Santo André, em São Paulo.
Vanderlei Siraque disputou uma acirrada prévia petista com Ivete Garcia. Ivete é a vice prefeita da cidade e o prefeito que deixa o cargo, o também petista João Avamileno (metalúrgico, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, que era vice de Celso Daniel e assumiu quando ele foi assassinado, depois conseguiu ser reeleito para um segundo mandato), ficou com Siraque.
O PT se dividiu ao meio. Como o prefeito, no cargo, lutou por Siraque, parte do secretariado pediu demissão para trabalhar contra; Miriam Belchior, mulher de Celso Daniel, assessora do presidente Lula, que trabalha na Presidência da República, em Brasília, apoiou Ivete. O chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, também apoiou Ivete, e todas as reportagens do período da disputa expuseram a fissura no partido provocada pelas prévias vencidas, por margem apertadíssima, por Siraque.
Foi uma briga, segundo avaliações feitas hoje, considerada histórica. Todos se envolveram, quem tinha e quem não tinha ligações com a política de Santo André. De tão violento, o embate não permitiu juntar os lados imediatamente para enfrentar a campanha.
O prefeito (Avamileno) ganhou a prévia com Siraque e derrotou sua vice Ivete Garcia e a turma do Palácio do Planalto. O grupo derrotado foi aderindo muito lentamente ao candidato que, por pouco, não venceu no primeiro turno. Dos candidatos petistas que foram ao segundo turno, Vanderlei Siraque esteve mais perto de vencer no primeiro turno, teve 48,5% dos votos. No segundo, juntaram-se contra ele todos os que disputaram o primeiro - Newton Brandão, do PSDB, Raimundo Salles, do DEM - e o vencedor, Aidan Ravin, do PTB, um azarão, além da falta de empenho daqueles que estavam com Ivete na prévia. O PT perdeu a eleição e a prefeitura de uma cidade estratégica.
Não há um integrante da cúpula do PT que já tenha se conformado com o que ocorreu em Santo André, e o caso é exemplo de problema originado nas prévias.
Em Porto Alegre, também este ano, o sistema de prévias mostrou, segundo as avaliações internas, que pode mesmo estraçalhar o partido. O grupo de Miguel Rossetto cruzou os braços na campanha de Maria do Rosário, com quem disputou as prévias. Ela acabou tendo um embate voto a voto com a candidata do PCdoB, Manuela D"Ávila, no primeiro turno, e no segundo turno perdeu feio para o atual prefeito, José Fogaça, do PMDB. Exceção à regra, a ministra Dilma Rousseff, que nas prévias trabalhou por Rossetto, na campanha apoiou desde logo Maria do Rosário e foi quatro vezes a Porto Alegre para participar da campanha.
Ainda no Rio Grande do Sul, o atual ministro da Justiça, Tarso Genro, já havia sido protagonista, em 2002, do grande problema que a prévia tem sido para o PT. Deixou a prefeitura e venceu Olívio Dutra por 300 votos na disputa para ser o candidato ao governo do Estado. Olívio, disciplinado, apoiou Genro, mas muitos cruzaram os braços e ele perdeu a eleição.
Até o presidente Lula já foi desafiado a participar de prévia pelo senador Eduardo Suplicy. Lula lhe disse: "Para que prévias? Vamos ficar um falando mal do outro?" Suplicy respondeu: "Não, vou falar bem de você". Mas Lula, mesmo irritado com a iniciativa, ficou quieto, não fez campanha e ganhou a prévia para ser o candidato a presidente.
Antes, os embates mais fortes ocorriam nas convenções partidárias e, reconhecem políticos do partido, havia mais debate político e ideológico, além de negociação. Além de tocar duas campanhas, o vencedor das prévias tem, como primeira tarefa, convencer seu adversário interno a trabalhar por ele. Não há ainda uma conclusão sobre o que prevalece, se seu caráter democrático e de mobilização e exposição que as prévias permitem, ou se seu poder destrutivo da união partidária necessária para vencer a disputa.
Aprendiz de feiticeiro, o PSDB, principal adversário do PT na sucessão presidencial, pelos cenários que se colocam agora, começa a falar em seguir o mesmo modelo. A idéia foi, desta vez, primeiro mencionada pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, durante a campanha das eleições municipais. Aécio quer disputar com o governador de São Paulo, José Serra, a candidatura do partido à Presidência da República, em 2010. Mesmo que o adversário concorde, e parece que sim - já teria, inclusive, dado sinais disso à direção partidária -, o governador de Minas dificilmente conseguirá fazer prévias antes de outubro de 2009, e isto será um outro grande problema.
Nesta data, exatamente um ano antes do pleito, esgota-se o prazo de mudança de partido. Espada que políticos ligados ao governador ameaçam deixar cair sobre o PSDB caso ele não consiga a legenda para ser o candidato.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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