Gostaria muito de saber o que o presidente Lula disse ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, na sequência da conversa que tiveram ontem em Londres, quando Obama disse que ele era "o cara" e definiu Lula como "o político mais popular da Terra". A linguagem corporal de Lula foi de modéstia. Balançou a cabeça, ficou limpando os óculos, parou um pouco para pensar, como se quisesse entender as reais implicações daqueles comentários. Afinal, Lula sabe como ninguém que é o próprio Obama o "político mais popular da Terra". Em seguida, puxou literalmente Obama pela manga do terno e disse alguma coisa para ele, como se estivesse relatando alguma experiência pessoal sobre políticos populares.
Conhecendo esse seu comentário, poderíamos saber as consequências do elogio em seu comportamento político daqui para a frente. Houve quem percebesse um tom irônico no tratamento de Obama, especialmente porque o presidente americano disse que Lula era tão popular por ser "boa pinta", o que de certa maneira esvazia seu elogio do cunho político.
Não creio que essa tenha sido a intenção, e acho mesmo que as pequenas espertezas de Lula, como a revelada pelo primeiro-ministro Gordon Brown, antes de irritar seus colegas governantes, os fascinam.
Não que seja bom para Lula revelar que ele admitira, antes de acusar os "brancos de olhos azuis", que, estando no governo, culpava os Estados Unidos e a Europa pelos problemas mundiais por hábito de culpar alguém, como fazia com o governo quando era líder sindical de oposição.
Mas esse seria um pecadilho político risível, pelo menos no momento em que os líderes dos países ricos estão enfraquecidos pela crise internacional e são alvos fáceis da retórica dos líderes dos países emergentes como Lula, que se transformou, nos últimos dias, no símbolo da reivindicação dos países "pobres" por um sistema financeiro menos descontrolado e por uma ordem internacional mais justa.
Afinal, são todos políticos que vivem atrás de votos, e um presidente no fim do segundo mandato com a popularidade de Lula é raro. Ninguém mais do que Obama tem demonstrado saber exatamente que tipo de populismo aplicar em momentos de crise.
Obama beija criancinha quando precisa, vai a cidade com alto índice de desemprego quando quer pressionar o Congresso para aprovar algum plano econômico, fala mal da ganância dos executivos financeiros e demoniza seus bônus.
Na reunião do G-20, Obama estava em missão de pacificação de ânimos. A foto mais comentada do encontro foi a que o mostra sorridente, abraçado a Silvio Berlusconi, polêmico primeiro-ministro italiano, e ao presidente da Rússia, Dimitri Medvedev, fazendo o sinal de positivo.
Tom Trebat, diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Columbia, em Nova York, acha que Obama realmente gostou de Lula, que ele está convencido de que Lula vai ser alguém com quem pode negociar na América Latina.
"Lula não vai fazer show nenhum em Londres batendo o sapato em cima da mesa. Ao contrário, vai ser alguém que vai liderar a luta antiprotecionista, vai favorecer o aumento do dinheiro disponível do Fundo Monetário para os países necessitados, o que, aliás, foi o que saiu de concreto da reunião do G-20", ressalta Trebat.
Mais do que tudo, diz, um comportamento razoável de Lula vai dar um sinal para muitos emergentes. Na visão do diretor do centro de estudos latino-americanos da Universidade Columbia, Obama está querendo agradar ao Brasil, desarmar eventuais prevenções, evitar que Lula abra novas frentes de críticas que já estão abertas com Nicolas Sarkozy, presidente da França, e Angela Merkel, da Alemanha.
O importante para Obama, analisa Trebat, era que a reunião do G-20 não mostrasse grandes divisões, e isso ele conseguiu. "Ele foi lá para mostrar que os Estados Unidos não têm mais aquela postura arrogante, foi buscar o diálogo", destaca.
O próprio presidente dos Estados Unidos definiu-se como "o novo garoto do bairro" ("the new kid in the block"), para dizer que era um novato naquele grupo de líderes mundiais, numa demonstração de humildade que corresponde à sua intenção de distender o encontro.
Esta é uma viagem de oito dias, Obama vai a Estrasburgo encontrar-se com a Comunidade Européia, vai à Otan, e, na opinião de Tom Trebat, o presidente americano "está pressionando de modo suave, com sua imensa popularidade em redor do mundo, os seus amigos e aliados para que não critiquem muito e para que deem um tempo para que a economia se recupere".
Uma aproximação com o Brasil de Lula facilita também o esvaziamento natural da liderança de Hugo Chávez na América Latina, e há informações de que, no encontro que tiveram em Washington, Obama não deu espaço para que Lula defendesse Chávez. Teria recebido Lula com um comentário direto: "Quero me congratular com um homem que respeita a letra da lei".
O fato é que o presidente Lula é visto pelos líderes internacionais como o exemplo de uma esquerda moderna que defende os interesses dos países emergentes com a credibilidade de quem quer participar dos organismos internacionais.
Até nesse ponto Lula está tendo a oportunidade histórica de o Brasil, em vez de pedir emprestado ao Fundo Monetário Internacional, fazer parte do conjunto de países que formarão um fundo para aumentar a capacidade do FMI e do Banco Mundial de ajudar a superação da crise e revitalizar o comércio internacional.
A crise econômica, que pode corroer sua popularidade no Brasil, só faz aumentá-la em nível internacional.
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