sábado, 30 de maio de 2009

O pavor da grande inflação

Paul Krugman*, The New York Times
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


De repente, todo mundo está falando de inflação. Matérias de opinião severas advertem que a hiperinflação está virando a esquina. E alguns mercados podem estar prestando atenção nessas advertências: os juros de títulos do governo de longo prazo estão subindo, e o medo da inflação futura é a possível razão para essa subida.

Mas será que o medo da grande inflação faz sentido? Basicamente, não - com uma condição da qual tratarei mais adiante. E suspeito que o medo tem a ver, ao menos em parte, mais com política do que com economia.

O mais importante é perceber que não há indícios de pressões inflacionárias neste momento. Os preços ao consumidor estão mais baixos agora do que estavam há um ano e os aumentos salariais perderam a velocidade, em face do alto desemprego. A deflação, e não a inflação, é o perigo claro e presente.

Portanto, se os preços não estão subindo, por que a inflação preocupa? Alguns alegam que o Federal Reserve (Fed) está imprimindo muito dinheiro, o que deve ser inflacionário, enquanto outros afirmam que os déficits orçamentários acabarão obrigando o governo a diminuir seu endividamento pela via da inflação.

A primeira suposição está errada. A segunda poderia estar certa, mas não está.

Agora, é verdade que o Fed tomou ultimamente medidas sem precedentes. Mais especificamente, ele andou comprando muita dívida tanto do governo como do setor privado, e pagando por essas compras creditando reservas extras aos bancos. E, em tempos normais, isso seria altamente inflacionário: os bancos, repletos de reservas, aumentariam seus empréstimos, que impulsionariam a demanda, que empurraria os preços para cima.

Mas estes não são tempos normais. Os bancos não estão emprestando suas reservas extras. Estão simplesmente sentados nelas - aliás, estão enviando o dinheiro de volta ao Fed. Portanto, o Fed não está realmente imprimindo dinheiro, afinal.

Mesmo assim, essas ações não acabariam sendo inflacionárias mais cedo ou mais tarde? Não. O Banco do Japão, diante das dificuldades econômicas não muito diferentes das que enfrentamos hoje, comprou dívida em larga escala entre 1997 e 2003. O que aconteceu com os preços ao consumidor? Caíram.

Tudo por tudo, boa parte da discussão atual sobre inflação traz à lembrança o que aconteceu durante os primeiros anos da Grande Depressão, quando muitas pessoas influentes faziam advertências sobre a inflação mesmo enquanto os preços despencavam.

Haverá risco de inflação depois que a economia se recuperar? Essa é a suposição dos que observam projeções de que a dívida federal poderá subir a mais de 100% do PIB e dizem que a América acabará tendo de reduzir sua dívida pela via da inflação - isto é, empurrar os preços para cima para que o valor real da dívida seja reduzido.

Essas coisas aconteceram no passado. Por exemplo, a França, em último recurso, reduziu as dívidas que contraiu para travar a 1ª Guerra Mundial por meio da inflação. Mas faltam exemplos mais modernos. Nas duas últimas décadas, Bélgica, Canadá e, é claro, Japão passaram por episódios em que suas dívidas excediam 100% do PIB. E os próprios EUA saíram da 2ª Guerra com a dívida excedendo 120% do PIB. Em nenhum desses casos o governo recorreu à inflação.

Então, haverá razão para pensar que a inflação está chegando? Alguns economistas defenderam uma inflação moderada como política deliberada, como maneira de estimular o empréstimo e reduzir o ônus do endividamento privado. Sou simpático a esses argumentos e defendi uma coisa parecida para o Japão nos anos 1990. Mas a defesa da inflação não progrediu entre as autoridades econômicas japonesas de então e não há nenhum sinal de que esteja ganhando força com as autoridades americanas de hoje.

Tudo isso coloca a questão: se a inflação não é um risco real, por que todas as suposições de que ela é? Bem, como vocês podem ter notado, os economistas, às vezes, discordam. E grandes discordâncias são especialmente prováveis em tempos estranhos como os atuais, quando muitas das regras normais já não se aplicam.

Mas é difícil escapar da sensação de que o alarmismo com a inflação é, em parte, político, saindo de economistas que não tiveram nenhum problema com os déficits causados por cortes de impostos, mas, de repente, se tornaram censores fiscais quando o governo começou a gastar dinheiro para salvar a economia. E seu objetivo parece ser pressionar a administração Obama para que abandone esses esforços de salvamento.

É dispensável dizer que o presidente não se deve deixar pressionar. A economia continua em estado lastimável e precisa de ajuda contínua. Sim, temos um problema orçamentário no longo prazo, precisamos começar a assentar os alicerces para uma solução no longo prazo. Mas, no que trata da inflação, a única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo.

*Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia

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