Marcos Nobre
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
HÁ QUEM VEJA nos confrontos no Irã apenas uma luta de poder interna à elite, especialmente entre os clérigos. Há quem pense que uma revolução está em curso. E parece haver concordância de que a simbologia da revolução islâmica de 1979 não está em questão.
Para quem não sabe a língua nem conhece uma cultura em que confluem as tradições persa, grega, árabe e islâmica, não é tarefa fácil avaliar os acontecimentos. As avaliações costumam ser feitas a partir de traduções para o vocabulário político europeu, que marca presença importante na vida cultural do Irã desde pelo menos meados do século 19.
Mas o interessante é que o contrário também é verdadeiro: quem protesta procura traduzir em termos da história europeia sua versão dos acontecimentos. O que não falta são twitters, blogs, sites e cartazes em inglês que indicam paralelos com situações mais familiares para pessoas formadas segundo os cânones da história europeia.
Mais interessante ainda, também a repressão aos protestos fez o mesmo movimento. O chefe da Guarda Revolucionária declarou em tom ameaçador que "qualquer tipo de revolução de veludo não será bem-sucedida no Irã". Referia-se às demonstrações pacíficas de oposição que culminaram na derrocada dos regimes comunistas do Leste Europeu. E, com isso, reconheceu também pelo menos uma semelhança entre o atual regime iraniano e as ditaduras do antigo bloco soviético.
Seja como for, o fato é que não se trata mais simplesmente de eleições fraudadas. Ao contrário, são justamente os grupos da elite política em confronto que buscam reduzir os protestos ao processo eleitoral. Ambos os lados do grupo dirigente sabem que essa é a única maneira de conter o movimento dentro dos rígidos limites institucionais vigentes.
Há muitos elementos novos e mesmo entusiasmantes na situação atual do Irã, sem ignorar a tragédia das mortes nos confrontos.
Ao estrangulamento da esfera pública local pelo governo os manifestantes respondem com o recurso a uma esfera pública mundial, utilizando todos os novos meios de comunicação disponíveis para amplificar suas vozes. A ligação com as "revoluções de veludo" no final da década de 1980 mostra que um novo modelo de transformação social pode vir a se consolidar.
Os acontecimentos no Irã enterram definitivamente as teses regressivas de um "choque de civilizações" que se tornou um emblema da era George W. Bush. E projetam um tipo de protesto e de transformação que pode servir de modelo também para as lutas por vir. Especialmente na China.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
HÁ QUEM VEJA nos confrontos no Irã apenas uma luta de poder interna à elite, especialmente entre os clérigos. Há quem pense que uma revolução está em curso. E parece haver concordância de que a simbologia da revolução islâmica de 1979 não está em questão.
Para quem não sabe a língua nem conhece uma cultura em que confluem as tradições persa, grega, árabe e islâmica, não é tarefa fácil avaliar os acontecimentos. As avaliações costumam ser feitas a partir de traduções para o vocabulário político europeu, que marca presença importante na vida cultural do Irã desde pelo menos meados do século 19.
Mas o interessante é que o contrário também é verdadeiro: quem protesta procura traduzir em termos da história europeia sua versão dos acontecimentos. O que não falta são twitters, blogs, sites e cartazes em inglês que indicam paralelos com situações mais familiares para pessoas formadas segundo os cânones da história europeia.
Mais interessante ainda, também a repressão aos protestos fez o mesmo movimento. O chefe da Guarda Revolucionária declarou em tom ameaçador que "qualquer tipo de revolução de veludo não será bem-sucedida no Irã". Referia-se às demonstrações pacíficas de oposição que culminaram na derrocada dos regimes comunistas do Leste Europeu. E, com isso, reconheceu também pelo menos uma semelhança entre o atual regime iraniano e as ditaduras do antigo bloco soviético.
Seja como for, o fato é que não se trata mais simplesmente de eleições fraudadas. Ao contrário, são justamente os grupos da elite política em confronto que buscam reduzir os protestos ao processo eleitoral. Ambos os lados do grupo dirigente sabem que essa é a única maneira de conter o movimento dentro dos rígidos limites institucionais vigentes.
Há muitos elementos novos e mesmo entusiasmantes na situação atual do Irã, sem ignorar a tragédia das mortes nos confrontos.
Ao estrangulamento da esfera pública local pelo governo os manifestantes respondem com o recurso a uma esfera pública mundial, utilizando todos os novos meios de comunicação disponíveis para amplificar suas vozes. A ligação com as "revoluções de veludo" no final da década de 1980 mostra que um novo modelo de transformação social pode vir a se consolidar.
Os acontecimentos no Irã enterram definitivamente as teses regressivas de um "choque de civilizações" que se tornou um emblema da era George W. Bush. E projetam um tipo de protesto e de transformação que pode servir de modelo também para as lutas por vir. Especialmente na China.
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