Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Um novo sistema monetário deverá nascer; as regras que prevalecem desde o fim da 2ª Guerra não são mais funcionais
MAIS UMA vez está de volta o debate sobre o que fazer com a valorização do real. O agravamento da crise internacional, a partir da quebra do banco Lehman Brothers, pareceu sepultar a tese de que o real tinha se tornado uma moeda forte em relação ao dólar e a outras moedas emergentes.
Com o pânico tomando conta dos mercados assistimos a uma verdadeira corrida para a moeda americana, vista naqueles dias terríveis como um porto seguro para os investidores.
Em poucos meses o real sofreu uma desvalorização de quase 40%. A leitura do senso comum foi a de que estava enterrada a tese do descolamento do mundo emergente representada pela sigla Brics. A impressão dominante era de que nada tinha mudado na economia mundial, e a força do dólar era prova inconteste disso.
Mas nada como um teste forte como este para nos obrigar a repensar nossas convicções. No caso da crise americana a lição mais importante foi a de que a dinâmica do descolamento precisava ser relativizada. Mesmo a China, um dos centros do mundo bipolar que acredito vai existir em futuro próximo, ainda depende do crescimento da economia americana. Para que o descolamento ganhe um grau maior de autonomia é necessário que os EUA não sofram uma descontinuidade nos moldes da acontecida nos meses seguintes da quebra do Lehman.
Hoje podemos afirmar com alguma convicção que o caos previsto há alguns meses não vai ocorrer. Os mercados voltaram a ter alguma funcionalidade e a economia mundial começa a sair do buraco negro em que caiu a partir de setembro do ano passado.
Embora as feridas abertas na crise ainda sejam muito difíceis de serem curadas, podemos olhar para a frente com algum otimismo. Não tenho dúvidas de que o caráter bipolar da economia mundial vai ficar mais claro nos próximos anos.
Um grupo de países -do qual o Brasil faz parte- terá cicatrizes de mais fácil superação e vai voltar a crescer a taxas elevadas. Provavelmente não serão as verificadas nos primeiros três trimestres do ano passado, mas, mesmo assim, serão bastante fortes.
A economia chinesa pode crescer cerca de 9% em 2010, e o Brasil algo próximo a 4% ao ano. No outro polo -representado pelos países mais ricos-, o crescimento econômico vai voltar, ainda que de forma bastante lenta. Mas o caos financeiro está afastado.
Neste mundo bipolar, uma das questões centrais que terão de ser enfrentadas é a da posição do dólar americano como moeda internacional única. Um novo sistema monetário deverá nascer obrigatoriamente. As regras que prevalecem desde o fim da Segunda Guerra Mundial não são mais funcionais. O que não está claro hoje é como se chegará a esse novo arranjo monetário. O acordo de Bretton Woods foi definido em um momento em que havia uma única potência no mundo ocidental.
Essa realidade geopolítica facilitou a definição das regras a serem seguidas por todos os países fora da então chamada Cortina de Ferro. Não é o que acontece hoje com a redução da força americana de um lado e a emergência de uma nova China de outro. Vamos viver nos próximos anos um penoso processo de ajuste, com a volatilidade e a especulação sendo a marca dominante nos mercados de câmbio.
E o real vai ser participante importante nesse processo, o que vai trazer para o mercado de câmbio uma dinâmica nova para nós brasileiros. Precisaremos estar preparados para isso.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Um novo sistema monetário deverá nascer; as regras que prevalecem desde o fim da 2ª Guerra não são mais funcionais
MAIS UMA vez está de volta o debate sobre o que fazer com a valorização do real. O agravamento da crise internacional, a partir da quebra do banco Lehman Brothers, pareceu sepultar a tese de que o real tinha se tornado uma moeda forte em relação ao dólar e a outras moedas emergentes.
Com o pânico tomando conta dos mercados assistimos a uma verdadeira corrida para a moeda americana, vista naqueles dias terríveis como um porto seguro para os investidores.
Em poucos meses o real sofreu uma desvalorização de quase 40%. A leitura do senso comum foi a de que estava enterrada a tese do descolamento do mundo emergente representada pela sigla Brics. A impressão dominante era de que nada tinha mudado na economia mundial, e a força do dólar era prova inconteste disso.
Mas nada como um teste forte como este para nos obrigar a repensar nossas convicções. No caso da crise americana a lição mais importante foi a de que a dinâmica do descolamento precisava ser relativizada. Mesmo a China, um dos centros do mundo bipolar que acredito vai existir em futuro próximo, ainda depende do crescimento da economia americana. Para que o descolamento ganhe um grau maior de autonomia é necessário que os EUA não sofram uma descontinuidade nos moldes da acontecida nos meses seguintes da quebra do Lehman.
Hoje podemos afirmar com alguma convicção que o caos previsto há alguns meses não vai ocorrer. Os mercados voltaram a ter alguma funcionalidade e a economia mundial começa a sair do buraco negro em que caiu a partir de setembro do ano passado.
Embora as feridas abertas na crise ainda sejam muito difíceis de serem curadas, podemos olhar para a frente com algum otimismo. Não tenho dúvidas de que o caráter bipolar da economia mundial vai ficar mais claro nos próximos anos.
Um grupo de países -do qual o Brasil faz parte- terá cicatrizes de mais fácil superação e vai voltar a crescer a taxas elevadas. Provavelmente não serão as verificadas nos primeiros três trimestres do ano passado, mas, mesmo assim, serão bastante fortes.
A economia chinesa pode crescer cerca de 9% em 2010, e o Brasil algo próximo a 4% ao ano. No outro polo -representado pelos países mais ricos-, o crescimento econômico vai voltar, ainda que de forma bastante lenta. Mas o caos financeiro está afastado.
Neste mundo bipolar, uma das questões centrais que terão de ser enfrentadas é a da posição do dólar americano como moeda internacional única. Um novo sistema monetário deverá nascer obrigatoriamente. As regras que prevalecem desde o fim da Segunda Guerra Mundial não são mais funcionais. O que não está claro hoje é como se chegará a esse novo arranjo monetário. O acordo de Bretton Woods foi definido em um momento em que havia uma única potência no mundo ocidental.
Essa realidade geopolítica facilitou a definição das regras a serem seguidas por todos os países fora da então chamada Cortina de Ferro. Não é o que acontece hoje com a redução da força americana de um lado e a emergência de uma nova China de outro. Vamos viver nos próximos anos um penoso processo de ajuste, com a volatilidade e a especulação sendo a marca dominante nos mercados de câmbio.
E o real vai ser participante importante nesse processo, o que vai trazer para o mercado de câmbio uma dinâmica nova para nós brasileiros. Precisaremos estar preparados para isso.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
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