domingo, 9 de maio de 2010

Do mensalão ao ‘rebolation’:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Há quem desconfie, com as ressalvas e incoerências inerentes ao personagem, que o presidente Lula já se deu conta de que a candidata Dilma Rousseff não correspondeu às expectativas dele e, cada vez mais, é do agrado da oposição. A seu ver, já se dissipou o saldo favorável que aliviou a constrangedora atmosfera em que se envolveu pessoalmente no caso do terceiro mandato.. A candidatura Dilma pegou de galho e aliviou as costas presidenciais da suspeita de que ele estava por trás da iniciativa, por falta de paciência para esperar a sucessão de 2014.

Suspeita-se, pela descontração presidencial, que Lula se enfarou de ser bedel de candidaturas espalhadas por todo o país. A distância que está aumentando entre o presidente e a campanha de dona Dilma significaria, na melhor das hipóteses, que Lula leva em consideração outros aspectos que desconsiderou antes. Eleição é areia movediça. A distância que vai se interpondo entre Lula e a campanha está aberta a interpretações tanto naturais quanto sobrenaturais. É verdade que a candidata tem feito por onde ser reavaliada enquanto for tempo. Falta-lhe, de modo geral, o que em francês fluente os poliglotas chamam de physique du role. Ou, em bom português, no caso, a recomendável bossa para empreitada eleitoral.

Lula percebeu em tempo que era caminho sem volta deixar correr no Congresso a emenda constitucional, já com numero suficiente de assinaturas e o ostensivo patrocínio do próprio vice-presidente em exercício áulico. Tratou de cair fora. Retirou, ainda cru, da boca da oposição, o pão do continuísmo que não ia atenuar a fome de democracia na opinião pública quando (por acaso?) se expandia como gripe a ideia sul-americana de outorgar ao eleitor o poder de permitir aos governantes, de acordo com a conveniência de cada um, mais de dois mandatos consecutivos.

Desse ponto de vista, Lula acertou na mosca que zumbia na sua insônia. Poucas vezes, na história deste país, um governante soube sair tão lépido de uma armadilha. A troca do plebiscito pela candidatura feminina arquivou tanto o mensalão de triste memória quanto o terceiro mandato, de odor venezuelano, que fez republicano da gema torcer o nariz com empáfia cívica. Afinal, o Brasil foi, mas não se orgulha disso, o reformador das ditaduras tradicionais, com a associação do rodízio dos presidentes e a eleição indireta. Uma ditadura arejada pelo revezamento de presidentes e um bipartidarismo simplificador (um no poder e o outro eternamente na oposição). Funcionou enquanto foi possível e, quando deixou de ser, a oposição foi para o poder. Tudo voltou a ser como sempre foi. O passado fez o exercício de casa e, de modo redundante, continuou. Sem alarde e sem acerto de contas.

O efeito realmente novo, seis mandatos depois de eleições indiretas e diretas, veio a ser a candidatura Dilma Rousseff, que deu cobertura a Lula para se recompor com o alto juízo em que se tem e que o autoriza a zombar da oposição como se a sucessão fosse uma peça de Luigi Pirandello. Não é, mas passa perto do princípio pirandelliano, segundo o qual “assim é se lhe parece” e pelo qual se estrutura a vida representativa brasileira. E, se assim parece ao próprio Lula, muito mais ao petismo, pois se trata de solução respeitosa à democracia, e republicana sem deixar de ser à moda brasileira. Ficou subentendido, nos dois últimos anos do segundo mandato de Lula e no nascimento da candidatura Dilma Rousseff, o que poderia perfeitamente ser definido como rebolation, para elidir o intervalo entre o mensalão e a sucessão.

Este faz de conta democrático preencheu o vazio de ideias políticas à altura das necessidades, mas não autoriza otimismo segundo o qual é página virada o apelo ao retrocesso democrático, em nome da necessidade de evitar riscos inerentes à democracia.

Do lado oficial, sem obras para mostrar, a candidatura de uma figura feminina de forno e fogão na sucessão contribuiu para conter os petistas e o petismo. O saldo social dos dois mandatos transcorridos tem mais peso histórico do que político. Lula demonstrou ser perfeitamente possível reduzir a desigualdade social sem colidir com a democracia. O resto de dois mandatos foi, em boa parte, zelar pela herança da social-democracia que precedeu o petismo e ainda sobra para quem chegar lá.

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