quarta-feira, 25 de agosto de 2010

‘Herança maldita’ de Lula em debate

DEU EM O GLOBO

Dilma Rousseff e José Serra negam que irão fazer o impopular ajuste fiscal. Mas representantes de seus partidos admitem a medida.

Por que eles têm medo do ajuste fiscal?

Dilma e Serra negam que farão acerto nas contas públicas, mas representantes dos partidos admitem medida

Regina Alvarez

BRASÍLIA. No auge da campanha eleitoral, a candidata do PT, Dilma Rousseff, e o candidato do PSDB, José Serra, negam o que muito provavelmente está nos seus planos para um eventual governo: o ajuste fiscal, que equivale, na prática, ao reordenamento das finanças federais para acomodar as prioridades de um projeto novo para o país - que prometem todos os dias na TV, mesmo que no caso de Dilma esse projeto seja a continuidade do governo Lula.

Os candidatos fogem do tema porque ele está associado a medidas impopulares, como o corte de vantagens e benesses para segmentos do eleitorado, inclusive os indecisos. A necessidade de um ajuste nas contas públicas, no acender das luzes do novo governo, é, no entanto, enfatizada por representantes dos dois partidos.

O tucano José Serra, que vinha mantendo um discurso alinhado ao de seu partido - em defesa de cortes nos gastos públicos para facilitar a queda dos juros e abrir espaço no Orçamento para mais investimentos - recuou esta semana, ao negar que fará um ajuste fiscal nas contas públicas, caso eleito. E ainda insinuou que o PT o fará, como fez em 2003.

- É possível que o PT faça, como sempre fez. Diz uma coisa, faz outra quando chega lá. Mas não é o meu caso - disse Serra, na segunda-feira, em campanha em Sorocaba.

Em 12 de abril, em entrevista a uma rádio de São Paulo, porém, Serra saíra em defesa do ajuste fiscal.

- Tenho certeza que, chegando lá, vamos fazer um diagnóstico e arrumar a questão fiscal, arrumar a casa do ponto de vista das contas - disse, na ocasião.

A declaração desta semana do tucano surpreendeu até seus correligionários.

- Não sei em que circunstância ele falou isso - disse ontem o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), um dos parlamentares que mais criticam, no Congresso, o aumento dos gastos públicos.

Madeira está convicto da necessidade de um ajuste fiscal forte para viabilizar os investimentos e o crescimento sustentado da economia.

- Manter o gasto público crescendo abaixo do crescimento do PIB é a forma de aumentar a capacidade de investimento. Não tem como baixar juros sem fazer algum ajuste fiscal - afirma.

Já a candidata Dilma Rousseff não se manifestou em público a favor do cortes de gastos, mas escolheu o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci como coordenador da sua campanha, o que, para o mercado, tem um importante significado. Palocci, que atua como o interlocutor de Dilma junto ao empresariado e o sistema financeiro, é o pai do rigoroso ajuste fiscal de 2003, que colocou a economia no chão, mas conseguiu controlar a inflação que havia alcançado dois dígitos no fim do governo Fernando Henrique por causa de incertezas nos rumos da economia.

Dilma negou ontem que pretenda fazer um ajuste fiscal no começo de seu governo, ironizando as declarações do opositor José Serra.

Mas a hipótese de o novo governo não adotar qualquer medida de ajuste na área fiscal é improvável, independentemente de quem vença a eleição.

Mesmo com o país crescendo a uma taxa em torno de 7% este ano, o que elevará as receitas do Orçamento, 2011 começa com desafios: o déficit crescente da Previdência, as demandas diversas na área social, a necessidade de ampliar os investimentos para resolver gargalos na infraestrutura e a premência de uma reforma tributária são alguns desses desafios - que os dois candidatos prometem na campanha. Sem ajustes em outras despesas será difícil resolver essa equação.

- Alguns ajustes terão de ser feitos no início do governo. Até para cumprir promessas de campanha, como o aumento de investimentos na educação e na saúde - afirma o deputado Gilmar Machado (PT-MG), que representa o governo na Comissão Mista de Orçamento.

Gilmar Machado lembra que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2011 já criou as condições para esses ajustes, deixando em aberto algumas decisões importantes relacionadas a novos gastos.

- Esperamos terminar o processo eleitoral para sentar com os servidores e conversar - disse o deputado, referindo-se às demandas de algumas categorias por novos aumentos.

O novo governo é que vai definir o rumo da política para o salário mínimo e para os aposentados, destaca o deputado petista.

- (A Dilma) está correta em criar condições para ter um governo mais tranquilo. Ela vai pegar uma situação muito melhor do que o Lula pegou, mas não existe mágica - concluiu.

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