sábado, 22 de janeiro de 2011

Polimento democrático e a âncora que faltava:: Wilson Figueiredo

Desde que se tornou o foco de uma discussão interminável, antes e depois da passagem do Século 19 para o 20, a social-democracia se complicou entre a idéia da revolução social e a da democracia política: a primeira produziu opiniões e teorias, mas deixou para trás a democracia, enquanto a outra se distanciava do viés marxista ortodoxo. Mais adiante, a social-democracia encontrou na classe média a âncora que lhe faltava. Mas não se livrou da maldição marxista e, comprometida com a classe média, sem boa reputação junto ao movimento revolucionário, o pensador alemão Eduard Bernstein não conseguiu sustentá-la como alternativa. E, com a tomada do poder pelos comunistas na Russia, em 1917, ficou para trás por desvio de conduta revolucionária. O fascismo fermentaria com prioridade na Europa dos anos 20 e não haveria espaço para discussões teóricas.

Desde então, a social-democracia não passou de galho seco na frondosa árvore da revolução mundial, depois de ser deixada à margem do circuito internacional assim que a revolução soviética deu por encerrada a discussão entre revolução e reforma, e passou à ação. A revolução social liquidou a fatura até que o modelo soviético veio abaixo pelas razões óbvias no final do século seguinte. A tentação da social-democracia rondou de novo as cabeças quando a aspiração de consumo se beneficiou do prestigio político e favoreceu a classe média na ascensão social. O pequeno burguês nem se lembra de que tudo deve ter começado com a conclusão a que Bernstein chegou ao observar, no final do Século 19, que algo não funcionava de acordo com a teoria dominante à época, pois o número de ricos continuava aumentando e o proletariado conseguia melhorar salários e condições de trabalho. E, principalmente, a classe média não estava sendo comprimida com o se fosse o fim da História. Bernstein acertou em cheio e não será de espantar que venha a ser o profeta da pequena burguesia, vista por esta fresta que mostra um paraíso social-democrata onde se localizava a questão social.

Falta agora identificar a verdadeira razão pela qual, na vertente da reconstitucionalização brasileira dos anos 80, a social-democracia tenha sido lembrada no Brasil para quebrar a alternância fatal entre liberais e conservadores aprisionados no círculo vicioso em que se revezavam monarquistas e republicanos, sem resolver a parada.

Mesmo porque não havia mais saldo e o prejuízo a remover do caminho já não parecia viável fora dos padrões democráticos. O mais provável é que os fundadores paulistas do PSDB e os mineiros, social-democratas pela própria natureza, reforçaram a iniciativa de plantar a social democracia. Estavam mais atualizados do que a corrente alternativa que perfilhou a idéia socialista radical, e fundou e embalou o PT no berço sindicalista do ABC. E iria padecer com o anacronismo de insistir numa luta de classes acolchoada por um velho peleguismo. Por fim, chegou ao poder e, em oito anos, se rendeu ao sortilégio capitalista. As sobras do passado e os vícios tradicionais ficaram aos cuidados do PMDB, que honrou o conservadorismo republicano.

O Brasil já desfrutou de dois mandatos sucessivos sob a social-democracia, e se deu tão bem que o PT, ao substituir o PSDB, nem se lembrou de que estava num país com sotaque revolucionário, e numa social-democracia bancada por uma classe média de encher de inveja toda a América Latina. O presidente Fernando Henrique fez que não sabia e Lula só percebeu a diferença, já à saída, quando tomou conhecimento de que a classe média existe (e já mostrou que faz História para nem burguês nem proletário botarem defeito). Não é por acaso que já existe um jeito pequeno burguês de assimilar o estilo Dilma Rousseff de dar um polimento democrático no Brasil.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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