terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cidades incluem saneamento e merenda como gastos em saúde

Prefeituras dizem gastar mais de 40% de suas receitas no setor, mas usam artifícios contábeis

Tribunais de Contas apontam dificuldades para fiscalizar gastos; maioria dos prefeitos segue a lei, diz conselho

Larissa Guimarães e Maria Clara Cabral

BRASÍLIA - Levantamento da Folha indica que há um descompasso entre o que os municípios dizem gastar com a saúde e o que eles realmente aplicam.

Prefeituras afirmam gastar até mais de 40% de suas receitas no setor, mas contabilizam até obras sanitárias para melhorar seus resultados.

Por lei, as cidades são obrigadas a aplicar 15% de seus recursos na área. Em 2010, um em cada cinco municípios disse ao Ministério da Saúde ter gasto em saúde mais do que a média nacional (23%).

As declarações não sofrem uma fiscalização nacional, e os próprios Tribunais de Contas admitem a dificuldade para averiguar esses índices.

O tribunal mineiro diz só auditar cidades que não cumprem a lei. No país, só 12 dos mais de 5.500 municípios dizem estar nessa situação.

Vicentina (MS), por exemplo, está em quinto no ranking de aplicação na saúde: 39,5%. À Folha o município reconheceu que incluiu obras sanitárias nos gastos.

O Tribunal de Contas do Estado disse que são "raros" os casos de cidades que aplicam muito além dos 15% exigidos pela lei, mas não detalhou as contas de Vicentina.

Com pouco mais de 10 mil habitantes, Presidente Kennedy (ES) diz ser o município que mais aplica recursos na saúde em todo o país: usou 65% de sua receita no setor.

O percentual não bate com a análise preliminar do Tribunal de Contas do Espírito Santo: segundo o tribunal, a prefeitura gasta 58%.

Morada Nova de Minas (MG), com cerca de 10 mil habitantes, é a vice-campeã: 41,5% dos recursos na área.

O prefeito Alexsander Rocha (PSB), porém, explicou que declarou o que gasta em relação aos repasses recebidos pelo município.
Se fosse calculado sobre o total da arrecadação, esse índice cairia para pouco menos de 20%.

Rocha classifica de "bons" o único hospital da cidade, os três postos de saúde e as quatro unidades de atendimento. Mas os atendimentos mais complexos precisam ser feitos em Belo Horizonte, a cerca de 300 km de distância.

Isso mostra que os gastos podem estar fora de controle. Nesta semana, a Câmara dos Deputados deve votar a regulamentação da emenda 29, que definirá quais ações poderão ser classificadas como gastos em saúde.

"Deve ter muita maquiagem até mesmo nos municípios, senão a saúde estaria maravilhosa. Há casos de até merenda escolar entrar como gasto", afirma Livia Bahia, vice-presidente da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva.

Para José Ênio Duarte, do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, a maioria das cidades cumpre os 15% da lei, e parte alcança 30% de aplicação: "Patamares entre 40% e 60% parecem exagero ou erro".

Frase
"Penso que deve ter muita maquiagem até nos municípios, senão a saúde estaria maravilhosa"
LIVIA BAHIA (vice-presidente da Associação Brasileira de Pós em Saúde Coletiva)
EMENDA 29

GASTOS COM SAÚDE

O QUE É A EMENDA 29

Aprovada em 2000, define percentuais mínimos para gastos com saúde pública

12% dos recursos dos Estados

15% dos recursos dos municípios

O PROBLEMA

Não há uma lei que defina o que pode ser considerado gasto na área de saúde

COMO RESOLVER

Projeto que tramita na Câmara define quais ações poderão ser consideradas despesas na área

POR QUE ISSO É CONTROVERSO

Para atingir o percentual mínimo exigido, Estados e municípios contabilizam ações que não são da área de saúde

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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