O que era para ser um negócio estritamente privado tem tudo para ser mais uma das tenebrosas transações sustentadas por dinheiro do contribuinte. A compra da Delta pelo grupo J&F põe o BNDES, e, portanto, o governo, como sócio e credor de uma carteira de obras recheada de suspeitas de corrupção. Tem boi nesta linha.
Em tudo a operação montada para repaginar a Delta e tirá-la do foco das investigações relacionadas ao bicheiro Carlos Cachoeira cheira a grossa armação com digitais do Palácio do Planalto -ainda que este negue. O grupo comprador não só tem no BNDES um parceiro camarada, como também é comandado por Henrique Meirelles, ex-presidente do BC de Lula.
Do mesmo jeito que subiu de maneira meteórica, a Delta despencou. Em velocidade igualmente sideral, mesmo em sérias dificuldades, arrumou um comprador de peso, disposto a assumir os negócios de uma empresa prestes a ser considerada inidônea - e, portanto, proibida de ser contratada pelo poder público. Por que alguém se meteria num lance tão arriscado?
Em manchete, o sempre comedido Valor Econômico permitiu-se classificar o negócio de "inusual". Segundo comunicado oficial da empresa, a aquisição da Delta pela J&F só será sacramentada após auditoria na companhia, que não tem prazo para terminar. Só então serão definidos valor e forma de pagamento. O negócio pode até sair de graça.
Empurrar o desfecho para um futuro incerto é a forma ideal de tirar a transação de perto dos olhos do público: daqui a um tempo, a Delta pode não estar mais no foco da imprensa e ficará mais fácil o BNDES, ops, a J&F fechar o negócio, expandindo uma parceria público-privada que já chega hoje à casa de R$ 8,1 bilhões - cifra que, dependendo do cálculo, alcança R$ 13,3 bilhões.
Isto seria um problema rigorosamente privado se o BNDES não fosse o principal sócio dos compradores: o banco detém 31,41% do capital do frigorífico JBS, empresa sob o controle da J&F Holding e que responde por 96,6% da receita líquida do grupo. Ou seja, é dinheiro do contribuinte o que está sendo usado na operação de socorro à Delta.
E para quê? Para assumir uma empresa que, comprovadamente, desviou recursos públicos para alimentar uma teia de corrupção em torno do grupo contraventor de Carlinhos Cachoeira. Uma empresa que, em dez anos, saiu do limbo para ser a sexta maior construtora do Brasil, não se sabe por que meios. Uma empresa que detém R$ 4,7 bilhões em contratos, 99% deles com o poder público, conquistados de forma muitas vezes suspeitamente tortuosa.
Nos últimos anos, BNDES e BNDESPar se meteram numa série de negócios, financiamentos e empréstimos ao JBS. Jamais se ouviu explicação razoável do banco sobre as razões pelas quais despeja tanto dinheiro público num grupo cujas investidas empresariais têm se mostrado tão temerárias - e cujas ações em bolsa dão notória dor de cabeça a seus detentores.
"O JBS vai fazer agora um grande favor ao governo e um grande negócio, ao mesmo tempo. Até então, o grupo tinha feito grandes negócios com favores do governo", comenta Miriam Leitão n'O Globo. "(O BNDES) é o começo do grupo e seu principal ativo".
Com este providencial empurrão de dinheiro público, o grupo J&F tornou-se gigantesco - sua receita líquida é hoje de R$ 62,7 bilhões. E espraiou-se por setores tão diversos quanto díspares: além do frigorífico JBS, a holding está presente em negócios de celulose e papel (Eldorado), alimentos (Vigor), higiene e limpeza (Flora) e financeiros (Banco Original).
O Planalto enxergou risco de encrenca e fez circular ontem que "não aprova" a operação. Se é assim, é o caso de acionar o comando do BNDES e determinar que o banco, como principal sócio da J&F, não aceite dar prosseguimento ao negócio. Se o procedimento não for este, o governo estará dando total aval à transação.
Os interesses da J&F e o petismo não estão irmanados somente por laços financeiros. Um dos sócios do grupo, José Batista Júnior, filiou-se há menos de um ano ao PSB e já se arma para disputar o governo de Goiás em 2014. Para enfrentar quem? Marconi Perillo, um dos alvos prediletos de Lula e seus asseclas.
Para completar a rocambolesca e em tudo suspeita história, teremos agora a esdrúxula situação em que o principal programa de obras do governo, o PAC, terá como principal executora uma empresa que tem como principal sócio o BNDES. Ou seja, o banco oficial financia, o governo paga, a "nova" Delta recebe e de lá continua a desviar. É o círculo vicioso perfeito.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela, 10/5/2012
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