sábado, 9 de junho de 2012

A Rio+20 à luz do futuro : Mikhail Gorbachov

Este será inevitavelmente um ano de reflexão. Aqueles que estão preocupados com o futuro da Terra e de seus habitantes precisam fazer o que estiver a seu alcance para que ele seja também um ano de ação, que marque o fim de um período de apatia e miopia.

Superar essa falta de visão foi o que nos levou ao Rio há 20 anos para a primeira Cúpula da Terra sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Mas os resultados tangíveis desse evento, e os de muitas conferências subsequentes, aqui e no resto do mundo, ficaram longe do objetivo de guiar nosso mundo por um caminho sustentável.

Olhando para 1992, a situação era diferente. Durante e logo após a Rio-92, havia um esmagador ar de entusiasmo e esperança. Era um tempo de otimismo e, em retrospecto, de inocência, quando todos celebravam o fim da Guerra Fria.

Então, incríveis mudanças sociais e políticas consideradas impossíveis alguns anos antes foram, de fato, implementadas. Não foi acidente. Para desencadear essas energias tivemos de superar a forte oposição de estruturas de poder que bloqueavam o caminho. Mas as mudanças refletiam as esperanças daquele tempo e os líderes tiveram a coragem de responder ao desafio. O Muro de Berlim foi derrubado na crença de que as gerações futuras poderiam enfrentar os problemas juntas.

Vinte anos depois, estamos rodeados de cinismo e, para muitos, desespero. Não é surpreendente num momento de crise econômica exacerbada pela maior pressão sobre os recursos naturais, ampliação da pobreza, redução da segurança, continuidade de conflitos violentos e degradação ambiental. Fico desgostoso quando olho a distância cavernosa entre ricos e pobres, a irresponsabilidade que causou a crise financeira global, as respostas fracas e divididas à mudança climática e o fracasso em atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio. A oportunidade de construir um mundo mais seguro, mais justo e mais unido foi, em grande parte, desperdiçada.

O mundo já estava vacilando para atingir as oito abrangentes Metas do Milênio até 2015. Elas agora parecem ainda mais distantes. Vejam a mortalidade infantil, uma das causas mais legítimas: o Banco Mundial agora estima que mais 200 mil a 400 mil bebês morrerão este ano devido à queda do crescimento econômico. Com apenas três anos pela frente, as metas estabelecidas na Cúpula do Milênio, em 2000, são pouco mais que desejos piedosos para centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, particularmente na África. As promessas de maior assistência ao desenvolvimento, comércio justo, acesso ao mercado e alívio do peso da dívida dos países pobres não estão sendo cumpridas.

E mesmo quando um desses objetivos - acesso a água limpa - é alegadamente atingido, as celebrações e tapinhas nas costas não escondem a realidade de que 800 milhões de pessoas ainda hoje não têm direito a isso. Tudo leva o selo de "muito pouco, muito tarde". Não posso qualificar esse fracasso como outra coisa que não seja falta de liderança e visão.

Precisamos da interação de políticos, empresários e sociedade civil. O mundo está num importante ponto de inflexão. A escolha é entre uma tempestade perfeita de crises progressivamente mais profundas ou expandir perspectivas de oportunidades sem precedentes. A crise econômica, ambiental, política e, mais importante, moral que enfrentamos mostrou que o atual modelo de crescimento econômico é insustentável. Ele engendra crises, injustiça social e o perigo de catástrofe ambiental.

Há uma clara necessidade de rápida transição para um modelo diferente. Precisamos repensar as metas de desenvolvimento. O consumo não pode continuar sendo o único ou o principal indutor do crescimento. Este deveria ser visto como uma ferramenta de aperfeiçoamento da sociedade. A economia deve ser reorientada para objetivos que incluam bens públicos como meio ambiente sustentável, saúde da população em seu sentido mais amplo, educação, cultura e coesão social, incluindo ausência de flagrantes abismos entre ricos e pobres.

Há sempre uma escolha para cada grande desafio. O futuro depende do que façamos hoje. Todos, leitores do GLOBO, políticos, líderes empresariais, ativistas, têm um papel a executar. A questão é se queremos assegurar um futuro seguro e sustentável para todos ou ficarmos reféns da atual mistura de interesses e motivações políticos e econômicos.

Como podemos assegurar que a economia se torne verde e não apenas pintada de verde? A Rio+20 precisa produzir um plano coerente e verificável para pôr o mundo no caminho do desenvolvimento sustentável. Os líderes que se reunirão no Rio devem usar esta plataforma para anunciar iniciativas, desafios e compromissos específicos nessa direção. O documento final poderia propor cortes das verbas militares e seu investimento nas Metas do Milênio e outras iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável. Deveria dar prioridade à rápida eliminação progressiva de subsídios para práticas ambientalmente destrutivas.

Não podemos deixar passar a chance. Ousadas iniciativas foram forjadas no Brasil, como a Agenda 21 e Carta da Terra (preciso criticar a aparente "queda" da referência à Carta da Terra no documento da Rio+20. Espero que isto seja corrigido.) A Green Cross International, que nasceu há 20 anos no Rio e da qual tenho orgulho de participar, contribuirá para a Rio+20 com uma série de eventos interessantes e significativos, nos quais vocês serão bem-vindos.

Espero que a Rio+20 evite replicar o destino de muitas iniciativas em que as aspirações se esfumaçaram logo após ser cortada a fita e as câmeras pararam de trabalhar. Não podemos nos dar ao luxo de esperar mais 20 anos pela Rio+40. Se entendermos o presente à luz do passado, veremos apenas problemas, o que resultará em melancolia. Mas entender o presente à luz do futuro nos compele a evoluir e enxergar as oportunidades que ele aponta.

Somente assim poderá a Rio+20 ser capaz de, nas palavras da Green Cross, "dar uma chance ao planeta e à Humanidade, um futuro".

Mikhail Gorbachov foi presidente da antiga União Soviética e é fundador da Green Cross International.

FONTE: O GLOBO

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