O julgamento do mensalão entra hoje em fase decisiva com o voto do revisor Ricardo Lewandowski. Caso adote a posição do relator Joaquim Barbosa e entenda que houve, sim, crime de desvio de dinheiro público nos episódios envolvendo o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha e o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, estará reforçada a tese de que o que aconteceu no episódio em julgamento foi muito além do mero caixa dois de campanha eleitoral. E aberto caminho para a condenação dos demais réus envolvidos no esquema.
Caso, ao contrário, Lewandowski discorde da linha adotada por Barbosa e apresente argumentos tão convincentes quanto os da acusação, mas em sentido oposto, estará abrindo caminho para uma discussão do plenário do Supremo sobre essa questão básica do caso do mensalão.
Até o momento o ministro revisor está se mostrando um contraponto ao ministro relator apenas nas questões de procedimento do julgamento, o que leva à impressão de que também nas questões de mérito ele discordará de Joaquim Barbosa. Mas não é assim, necessariamente. Muitos atribuem as manifestações de desagrado de Lewandowski, especialmente no primeiro dia de julgamento, a um desejo de atrasá-lo ou até mesmo de impedir sua continuidade, como quando ameaçou abandonar o cargo de revisor, o que paralisaria o processo.
Mas é preciso lembrar que também Joaquim Barbosa deixou essa possibilidade no ar ao reclamar dos seus problemas de saúde. Tudo indica que os desentendimentos entre ministros com maneiras diferentes de ver uma mesma questão podem ser superados em benefício do bom andamento do julgamento, sem que uma discordância formal sinalize um voto nesta ou naquela direção.
A tentativa de adivinhar o voto dos ministros leva a situações delicadas como a do ministro Cezar Peluso. Como se aposenta compulsoriamente, por chegar aos 70 anos, em 3 de setembro, ele teria tempo útil apenas para votar nesse primeiro bloco, que trata de desvio de dinheiro público. A possibilidade de que antecipe seu voto integralmente, prevista no regimento do Supremo, está sendo tratada como se fosse uma medida de exceção.
Como o relator e o revisor tratarão de partes segmentadas do processo, ao fim das quais haverá uma votação, considera-se que Peluso não poderia votar antes dos dois sobre temas ainda não abordados por eles. Mas o artigo 135 do Regimento Interno do STF não impede explicitamente essa antecipação, embora defina a ordem em que os votos devem ser tomados:
"Art. 135 - Concluído o debate oral, o presidente tomará os votos do relator, do revisor, se houver, e dos outros ministros, na ordem inversa da antiguidade.
§ 1º Os ministros poderão antecipar o voto se o presidente autorizar."
Esse deve ser o próximo grande embate no plenário, e seria bom que a questão fosse decidida logo.
Toda a movimentação dos advogados dos réus contra a antecipação do voto de Peluso tem o pressuposto de que ele é um voto contrário aos mensaleiros, um raciocínio perverso para impedir um ministro do STF de participar legitimamente de processo que acompanhou desde o início e para o qual está preparado, como ressaltou Joaquim Barbosa.
Se Peluso quiser encerrar sua atuação no STF com um voto completo no caso do mensalão, caberá ao presidente Ayres Britto pesar todas as circunstâncias em jogo, e ele decidirá, provavelmente, com base na maioria do plenário.
Marcelo Auler, autor do livro "Biscaia", que será lançado em setembro, esclarece que não há nele uma referência direta a pressões que o ex-ministro José Dirceu teria feito sobre o então presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Antonio Carlos Biscaia. O livro narra, sim, que Biscaia entendia que, se tivesse de votar pela continuidade do processo de cassação de Dirceu, como o faria no caso de ser preciso o voto de minerva, teria de imediatamente entregar o cargo de confiança para o qual o PT o havia indicado. A votação de 39 a 15 contra o recurso da defesa acabou poupando-o da renúncia. E ele, no plenário da Câmara, votou pela cassação de Dirceu.
FONTE: O GLOBO
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