domingo, 1 de junho de 2014

Um ano depois, pouca coisa virou realidade

• Doze meses depois dos protestos da Copa das Confederações, melhorias na educação e no transporte público ainda são imperceptíveis pela população. Movimentos sociais reclamam da falta de interlocução com o governo federal

Renata Mariz – Correio Braziliense

Faz um ano que multidões tomaram as ruas do país, em atos comparados apenas às marchas pelas Diretas Já ou pelo impeachment de Collor. Duas décadas depois dessas manifestações históricas, mais precisamente na primeira semana de junho de 2013, protestos contra o aumento das tarifas de transporte, em São Paulo e no Rio de Janeiro, logo se espalhariam pelo resto do Brasil, por ocasião da Copa das Confederações. Agora, com outro grande evento esportivo batendo à porta, um balanço das promessas feitas à época mostra ações iniciais positivas em determinadas áreas, como saúde e mobilidade, mas nenhum avanço em outros temas, levando-se em consideração o pacto com o povo brasileiro proposto em pronunciamento nacional pela presidente Dilma Rousseff.

No transporte coletivo de qualidade, reivindicação que ensejou as demais manifestações no país, o governo tem números que impressionam, mas poucas realizações concretas para mostrar. Dos R$ 50 bilhões anunciados dentro do Pacto da Mobilidade Urbana, lançado como resposta aos protestos, R$ 29 bilhões já têm destinação definida: 114 obras e 97 estudos e projetos a serem elaborados, prioritariamente em oito regiões metropolitanas e municípios com mais de 700 mil habitantes. O Ministério das Cidades não informou, entretanto, em que fase estão as ações financiadas com tais recursos ou exemplos de realizações mais adiantadas e, portanto, perceptível para a população.

O tema é tão sensível no dia a dia das cidades que foi o combustível para os primeiros protestos de visibilidade no ano passado. Em 3 de junho, usuários de ônibus, trens e metrôs ocuparam a Zona Sul de São Paulo, contra um aumento na tarifa de R$ 3 para R$ 3,20. No mesmo dia, passageiros ocuparam a Avenida Rio Branco, uma das principais do Rio, indignados com o reajuste das passagens de R$ 2,75 para R$ 2,95. Mas a grande passeata, que inaugurou a temporada de manifestações, se deu em 6 de junho, quando cerca de 5 mil pessoas se reuniram no centro de São Paulo contra bilhetes mais caros. Houve o primeiro confronto com a PM, que prendeu 15 pessoas.

No bojo do anseio por transporte de qualidade, manifestantes pediram saúde e educação padrão Fifa. Para essa última reivindicação, a presidente Dilma prometeu a aplicação do dinheiro do petróleo nas escolas públicas. Só honrou o compromisso em parte, ao sancionar a Lei nº 12.858, em setembro passado. "O movimento social conseguiu convencer a presidente a destinar, em vez de rendimentos, o total dos aportes do Fundo Social do petróleo para a educação e para a saúde. Ela se sensibilizou, foi um grande avanço. Mas é preciso que ela, agora, regulamente a lei, por meio de decreto, para que isso possa ser operacionalizado e o dinheiro chegue na prática", afirma Daniel Cara, mestre em ciência política e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Dados do Ministério da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostram que só no ano passado o Fundo Social recebeu R$ 483,8 milhões. Com a produção em alta depois do marco legal que regulou o setor, esses aportes somaram, só no primeiro trimestre deste ano, cerca de R$ 300 milhões. "Enquanto o regulamento não sai, os recursos ficam parados", diz Cara.

O fundo existe desde 2010, mas sem o carimbo para educação e saúde, mudança feita no ano passado, como resposta aos protestos. Procurado, o Ministério da Educação se restringiu a dizer que já recebeu R$ 385,4 milhões de recursos do Fundo Social, sem informar a que período se refere o repasse mencionado, em que projetos o momento foi aplicado, entre outros questionamentos da reportagem. "No momento, não é possível passar mais detalhes", afirma a nota.

Financiamento
Na saúde, a principal bandeira do governo federal, para responder às reivindicações da população nas ruas, é o Mais Médicos — programa que levou atendimento a 49 milhões de brasileiros carentes do serviço, segundo o Ministério da Saúde. Presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Ana Maria Costa aponta a iniciativa como positiva. "O Mais Médicos toca em uma agenda central no acesso à saúde no Brasil, sem dúvida, mas não resolve o problema do subfinanciamento. Nem o Parlamento brasileiro nem o governo tratou com respeito o projeto de lei que destina pelo menos 10% das Receitas Correntes Brutas da União a ações e serviços públicos de saúde", afirma, referindo-se à proposta preterida em detrimento de outras que determinam valor menor para setor. "Isso decorre de uma pressão política dos setores privados da saúde."

Outra promessa de Dilma vista inicialmente com boa vontade foi a interlocução maior com os movimentos sociais. "No calor das manifestações, houve mesmo uma aproximação. Ela nos chamou para conversar. Mas passado aquele período, nossa pauta ficou parada, não há mais diálogo", reclama Edson Silva, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e coordenador da entidade no Distrito Federal. Para conter críticas do tipo, a presidente publicou decreto, na segunda-feira passada, prevendo conselhos populares em órgãos públicos para garantir a participação social.

"Qualquer medida que aproxime a população das decisões do governo é bem-vinda, mas geralmente o que ocorre é uma encenação. Nós vamos, apresentamos propostas, só que a política continua sendo feita da forma que eles querem. Isso tem acontecido nas discussões locais sobre mobilidade urbana", diz Leila Saraiva, do Movimento Passe Livre no DF. De todas as propostas apresentadas pela presidente Dilma, no pacto com o povo brasileiro, a mais ousada foi também a que menos saiu do papel: a reforma política. Uma ideia inicial de Constituinte exclusiva e a convocação de um plebiscito ficaram só no discurso. O tema é tratado agora como promessa de campanha.

"Nem o Parlamento brasileiro nem o governo tratou com respeito o projeto de lei que destina pelo menos 10% das Receitas Correntes Brutas da União a ações e serviços públicos de saúde"
Ana Maria Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

Passagens mais caras
Pelo menos sete capitais tiveram aumento de tarifas de ônibus em 2014, depois de uma onda de redução, resposta aos grandes protestos, em cerca de 90 municípios no país, entre junho e julho passados. Nesse rol de cidades que diminuíram o preço dos bilhetes devido à pressão dos manifestantes, estão 13 capitais. O Rio de Janeiro, por exemplo, que teve grandes marchas e muita confusão, recuou, em 2013, mas reajustou as tarifas neste ano. "São vitórias e derrotas a que estamos acostumados. Defendemos a tarifa zero para todos porque entendemos o transporte como um direito, assim como a saúde, que deve ser financiado com impostos, e não nessa concepção atual de mercado, de lucro", afirma Leila Saraiva, do Movimento Passe Livre no DF.

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